Início Cultura Meu Filme Favorito — parte 2

Meu Filme Favorito — parte 2 [por Daniel Araújo]

1976
2

Sobre “De olhos bem fechados” de Stanley Kubrick

Um conflito entre o pessoal e o impessoal

- PUBLICIDADE -

Diretamente o filme fala sobre ciúme. O filme foi baseado no livro “Breve romance de sonho”, de Arthur Schnitzler. Infelizmente sou um crítico imperfeito e não li o livro. Sei apenas que Freud o elogiou muitissimamente, indo além e afirmando que Schnitzler seria seu alterego.

O ciúme, a partir de uma história narrada por sua esposa, Alice, na qual conta o desejo sexual que sentiu por outro homem, gera um surto no personagem Bill, o que o leva a se meter em várias enrascadas, inclusive colocando a vida de sua família em risco.

Bill vive aventuras que vão contra o seu padrão de ética até então estabelecido, a índole que se lhe constituiu, por exemplo, visitar uma prostituta, acordar um comerciante de madrugada e visitar uma orgia secreta que seu amigo, sem querer, havia lhe oferecido a senha para entrar. Neste lugar, Bill acaba sendo descoberto como intruso, colocando-se em perigo.

Kubrick trouxe à tona representações de sociedades ocultistas ligadas a práticas orgiásticas e a representação de Nova York.

Após a impressionante cena em que Bill vê os rituais e as sacanagens e também Bill é descoberto e ameaçado por líderes do culto, após ter sido obrigado a tirar a máscara, ele volta a sua rotina.

Descobre que seu amigo desapareceu, escoltado por vigias da festa. Visita despretensiosamente a prostituta e descobre que ela está com aids e visita o comerciante, que está prostituindo a filha. Sem saber, Bill é vigiado.

De repente é convidado à casa de um amigo. Uma vez lá, o amigo lhe confessa ter visto tudo que se passou com Bill, inclusive o fato de ter lhe sido tirada a máscara, o que caracteriza sua tremenda vulnerabilidade diante dos indivíduos poderosos que estavam na festa. O seu amigo lhe garante que as ameaças sofridas eram mentiras e a mulher que morreu por ele morreu acidentalmente.

Bill tenta acreditar, mas quando chega em casa encontra um sinal de que talvez essas ameaças não sejam assim tão irrelevantes: a máscara que lhe foi tirada na festa está no seu travesseiro, ao lado de sua esposa, que dorme.

Bill desata a chorar reconhecendo o perigo a sua família.

No fim, sua esposa, Alice, o perdoa e diz que eles devem ser gratos por sobreviverem a suas aventuras, reais ou sonhadas.

A hipótese que defendo é que o filme é uma metáfora para a condição do casal diante da sociedade, uma metáfora de todas as influências subjetivas que rodam a formação do casal.

Corroborando essa leitura, poderíamos dizer que um casal, quando se assume diante da sociedade está “dando a cara a tapa” à percepção dos outros e “colocando seu corpo no mundo”, isto é, vulnerável às influências.

O mais importante é perceber que, no filme, àqueles que não compõem um casal lhes é reservado a condição da máscara: aqueles que são impessoais. E ao casal é reservada a condição de serem vigiados e lhe serem tomadas as máscaras: onde o rosto pessoal, a pessoalidade é desvelada (pela força ou não).

À ausência do amor é destinada uma sexualidade impessoal, e ao casal, a vigilância, a desvelação diante das pessoas não-reveladas.

***

Daniel Araújo é escritor e roteirista, formado em Comunicação Social, pela UFRJ.

- PUBLICIDADE -

2 COMENTÁRIOS

Deixe um comentário para Dilson Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui