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Entrevista com o economista Livio Ribeiro

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1. Qual(is) foi(ram) sua(s) inspiração(ões) para estudar Economia?

Minha escolha por economia foi uma conjunção de fatores e, em alguns aspectos, uma adaptação. A ideia original era cursar relações internacionais fora do Brasil. Cheguei a conseguir bolsa parcial em algumas faculdades americanas, mas foi exatamente quando tivemos a maxidesvalorização de 1999/2000 – o que era viável ficou impossível do dia para noite. Nenhum curso de relações internacionais chamou tanto a minha atenção no Brasil, talvez pela frustração de não poder mais seguir o plano original.

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Disso para economia foi um pulo. Sempre gostei do tema, especialmente de macroeconomia e, fui depois descobrir, do que seriam macroeconomia aberta e macro policy – comércio internacional, relações de troca entre os países, taxa de câmbio, diferenças institucionais, padrões de desenvolvimento, análise e formulação de políticas públicas. E, na virada do século, “o” lugar para estudar era a PUC-Rio, com todos os principais economistas que participaram da formulação e implementação do Plano Real.

 2. Dois ex-presidentes norte-americanos, Barack Obama e Bill Clinton, afirmaram que a energia limpa e renovável será o investimento do futuro. O primeiro investiu altos valores neste projeto, embora tenha sido criticado por isso, e o segundo defendeu a independência do petróleo e que os milionários do futuro serão aqueles que conseguirem descobrir uma fonte alternativa viável. Qual(is) é(são), na sua opinião, o(s) bem(ns) ou a(s) área(s) que será(ão) o(s) investimento(s) do futuro e qual(is) bem(ns) ou área(s) tem(êm) tendência de estagnar ou de desaparecer, no curto e no longo prazo?

Olhando até em prazo mais curto, parece-me que a Covid-19 será um evento disruptivo em diversos aspectos e que pode, neste sentido, “antecipar o futuro”. Não me parece razoável que quando tudo isso passar nós voltemos ao antigo normal: certos setores vão entrar em tendência declinante e outros vão começar a acelerar. É a história de recuperação em K de que tanto se tem falado – e isso me parece fazer bastante sentido.

Tudo ligado à tecnologia da informação, internet das coisas e indústria 4.0 sofrerá um impulso relevante já no curto prazo. Não mata os setores tradicionais, mas acho bastante provável que nossa forma de consumir e se relacionar tenha mudanças profundas no mundo pós-Covid. Isso vale para bens e também para serviços. Pense, por exemplo, em cinemas vs. serviços de streaming; a forma de consumir filmes certamente já mudou…

Voltando à questão das energias renováveis, a transição para fora dos combustíveis fósseis é uma clara tendência de longo prazo, e já temos o início do processo na adoção de veículos elétricos, especialmente na Europa, e no aumento da geração de energia por renováveis em todo o mundo. Não é dizer que os combustíveis fósseis vão acabar, mas sim que sua participação no mix vai diminuir muito. Empresas petrolíferas vão virar empresas de energia, com portfólio mais amplo e uma visão mais geral do setor energético. Isso vai exigir adaptação e não será disruptivo; é um processo longo e que já começou.

 3. O quanto o coronavírus afetou a economia brasileira e a mundial e quais são as perspectivas de recuperação? Apesar de os cientistas afirmarem que o vírus não possui uma assinatura perceptível de criação em laboratório, é possível que essa crise tenha sido de alguma forma planejada pela China por razões econômicas, seja pelo espalhamento do vírus, seja pela omissão de informações do resto do mundo?

Começando pelo final, a alegação de que o vírus é uma estratégia de dominação chinesa é, francamente, ridícula. Essa tese só ganhou força porque existe uma evidente sinofobia no mundo ocidental, cujo paralelo é a fobia aos comunistas observada durante a Guerra Fria – e isso não é por acaso, estamos em plena Guerra Fria 2.0 onde o campo de batalha se dá no Pacífico, na África e na Europa (em termos de projeção de poder, e nessa ordem) e nas novas tecnologias – não é uma guerra de bombas, mas sim uma guerra de bytes.

Voltando ao Covid, o choque foi abrupto e afetou o mundo em ondas, começando pela Ásia, passando à Europa e depois às Américas no decorrer do primeiro semestre. A abrupta desaceleração foi relativamente coordenada e levou a um choque dramático de demanda, que foi combatido por enorme expansão das políticas públicas – tanto monetária quanto, principalmente, fiscal. Nesse processo, a cesta de consumo mudou (ao menos pontualmente) e houve importante desaceleração da inflação em escala global.

Houve uma clara sobrerreação das políticas nos países desenvolvidos, com raras exceções entre os emergentes (e o Brasil se enquadra nestas exceções), substituindo o choque negativo de demanda por bolsões de choque positivo de demanda – em alguns casos, tão grandes que levaram a uma recuperação relevante do PIB, mesmo que concentrada em poucos setores institucionais. Com demanda direcionada a setores específicos e restrições de consumo de certos bens e, principalmente, serviços, vimos uma reaceleração da inflação puxada, principalmente, por alimentos. A desorganização das cadeias globais de valor levou, no meio disso tudo, a choques negativos de oferta na economia global – ainda em curso e com persistência desconhecida, afetando por excelência os bens.

Tivemos, portanto, choques coincidentes de demanda e oferta, e, em muitos casos, o choque de demanda “mudou de sinal” por causa da atuação das políticas públicas. A retomada da economia foi assimétrica entre setores e entre países. A inflação desacelerou e depois voltou a subir, com mudanças nos padrões de consumo que, se não são permanentes, podem ser persistentes.

E tudo sobre o que estamos falando não considera nada de 2ª onda, cujos impactos sobre a economia podem ser bem distintos dos ocorridos na 1ª onda seja porque as condições iniciais são bem diferentes, seja porque a própria reação da economia e da sociedade à emergência sanitária será muito distinta.

Em conclusão, como será a recuperação? Enquanto durar a emergência sanitária, será assimétrica, claudicante e cheia de desafios. A base de comparação criada em 2020 é muito favorável e, portanto, é bem difícil que não tenhamos crescimento em 2021. A sua intensidade, no Brasil e no mundo, vai depender de como a pandemia será controlada e de como, em consequência, teremos normalização das condições de demanda e oferta.

 4.  A corrupção tem sido um tema muito presente nos noticiários brasileiros nos últimos tempos. Na Grã Bretanha, a questão da “Old Corruption” (“Velha Corrupção”) durante a era industrial foi duradoura e combatida com reformas políticas e também com mudanças de comportamento e de interesse em busca de maior eficiência econômica. Quais são os meios econômicos para se combater a corrupção, em quais áreas se deve investir para isso e como se combate exatamente aquilo que pode corroer os investimentos e impedi-los de frutificarem?

Em última instância, o que promove o desenvolvimento de uma sociedade é a qualidade de suas instituições. Isso passa pela escolha das suas prioridades (de forma imprecisa, pense nas características gerais de seu contrato social), pela forma como seus objetivos são perseguidos e pelos seus mecanismos de controle – não necessariamente punição em termos legais, mas sim limites sociais do que é certo ou errado, ou do que é moralmente reprovável.

Nesse sentido, estratégias econômicas de combate à corrupção passam pelo desenho de um conjunto de regras que limite a capacidade de desvios e, quando esses ocorrerem, que tornem a punição clara e robusta – aos olhos dos que cometeram as infrações e aos olhos de toda a sociedade. A regulação adequada, a estabilidade de regras e criação de mecanismos explícitos de pesos e contrapesos são essenciais para isso.

Repare, por fim, que quando falamos de mecanismos econômicos de combate à corrupção estamos falando do mesmo conjunto de iniciativas necessário para promover investimentos de forma eficiente – estabilidade de regras, conhecimento dessas regras e criação de mecanismos de regulação e de controle claros e eficientes. No fundo, tudo volta ao início: é a qualidade das instituições que determina a capacidade de desenvolvimento sustentável de uma sociedade.

 5.  Quais rumos você enxerga para o Brasil, para o mundo e para a sua própria vida?

Vejo que estamos em um momento de transição, catalisado pela emergência sanitária que enfrentamos. Preocupa-me que o choque da Covid seja altamente regressivo e que, portanto, emerja uma sociedade muito mais desigual. Infelizmente, acho que isso será um fato, ao menos no curto prazo – mais desigualdade entre os países e dentro dos países.

Isso vai aumentar a pressão por políticas de transferência de renda, o que é totalmente digno, em um cenário de maior endividamento dos governos e pressão patrimonial sobre empresas e famílias. E também vai aumentar a contraposição dos grupos de interesse setorial, mais organizados e que possuem grande capacidade de articulação para atingir seus interesses. Voltamos, nisso, ao tema da pergunta anterior: como evitar essa captura e ampliar ainda mais a desigualdade?

Entendo que estes temas (a diminuição da desigualdade, a promoção de um ambiente econômico mais igualitário, maior eficiência e capacidade de pagamentos dos passivos previamente contratados) serão as grandes questões dos próximos anos. Parafraseando Hobsbawm, serão novos “tempos interessantes” e uma nova “era das incertezas”.

 6.  Qual(is) mensagem(ns) você gostaria de deixar para os leitores?

Lembrem sempre de Mencken: “Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.

***

Livio Ribeiro é pesquisador sênior do FGV/IBRE, responsável pela cobertura de China, Argentina, países emergentes e setor externo brasileiro (taxa de câmbio, balança comercial e transações correntes), e diretor de pesquisa da BRCG, empresa de consultoria com foco em análise macroeconômica e avaliação de políticas públicas.

Anteriormente, foi consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da RedSudamericana de Economía Aplicada (RedSur) e do Instituto Nacional do Câncer (INCA), chefe da divisão de estudos econômicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), pesquisador associado do IBRE/FGV e teve inúmeras posições em instituições financeiras brasileiras e globais, cobrindo, além de Brasil e China, países exportadores de commodities na América Latina, África e Oceania.

Livio é bacharel e mestre em economia pela PUC-Rio, possuindo publicações nas áreas de comércio exterior, economia internacional, finanças públicas, economia do tabaco e relações sino-brasileiras.

Os boletins econômicos da BRCG podem ser acompanhados através do LinkedIn da empresa: https://www.linkedin.com/company/34907030/admin/; e podem ser assinados pelo Whatsapp: (21) 96707-4859.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Ótima entrevista. Boas respostas precisam também de boas perguntas.
    Eu gostaria apenas de acrescentar que no enfrentamento da corrupção no Brasil hoje deve ter mais peso a disposição para punir. A informatização deixa tudo praticamente restreável. Então é possível identificar o desvio. Agora é preciso fazer com que ele não valha a pena. Infelizmente, ainda vale.

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