Pessoal,
há muito tempo estava querendo responder a dois artigos da Miriam Leitão em que ela faz uma confusão sobre investimento, despesa, orçamento fiscal e superávit primário para apresentar uma tese fraquíssima de que o Governo Federal fez uma tortuosa operação com investimentos na Petrobrás para mascarar os números de superávit fiscal brasileiro de 2010.
Felizmente, sortudo como sou, um amigo eleitor de Serra, muito inteligente e muito amigo meu, me obrigou a responder a um email dele justamente abordando este tema. Assim, enquanto não apresento considerações mais profundas sobre o tema, assim como pretendo responder ao artigo do Carlos Alberto Sardenberg do dia de hoje, 04/11/2010, na pg. 06 do Jornal O Globo, compartilho com vocês da resposta que enviei ao meu amigo, pois tanto as perguntas ou questões por ele postas como a minha resposta abordam de maneira muito útil temas afins sobre este fenomenal “equívoco” argumentativo da Miriam.
Naturalmente despersonalizei a comunicação e tentei corrigir digitações e o português coloquial.
Para contextualizá-los, eu havia mandado para um grupo de amigos um artigo do Jornal do Commercio que tratava o tema aumento de capital da Petrobrás, Orçamento Fiscal, Crescimento Econômico e Superávit Fiscal com muito mais isenção e propriedade do que outros jornais. Em resposta, meu amigo disse que o artigo somente contava fatos e não emitia opinião alguma, sendo certo que em qualquer outro país Lula seria preso pela enganação que fez com o caso de investimento na Petrobrás e falseamento dos números do superávit fiscal, transformando despesas em superávit fiscal, e que só faltaria agora, pela liberdade com que cria mentiras, transformar em “uma canetada” o “gasto” com servidores públicos em superávit também. Ele ainda disse que o pré-sal pode não dar em nada e que no fim o prejuízo sairá do bolso de contribuintes, sendo certo que já houve desvalorização do valor das ações da petrobrás.
Segue minha resposta:
“Amigão, fico feliz em poder contar com mais um amigo interessado em política e economia, além de alguns outros amigos com quem muito troco impressões.
Devo dizer que o tema que você suscita em especial, ou seja, maquiagem do superávit primário é muito importante. E foi vendido dessa forma exata como você coloca pela Míriam Leitão. Lembro bem da coluna e ia escrever demonstrando como estava errada a forma como ela explicou. Mas como não sou jornalista profissional, não tenho tempo de escrever tudo o que quero.
Primeiro, enfrentemos o teor da sua frase “a notícia do JC só relata o que aconteceu. Não dá opinião nenhuma.”
Caro amigo, quem tem que ter opinião é você. O Jornal sério somente relata fatos dando informação suficiente para que você possa entender o que ocorre e conclua por si mesmo. Por isso digo que o JC é jornal honesto e verdadeiro. Não pode ser Carta Capital e não pode ser o Globo (como exemplo de isenção jornalística). Existem dois tipos de matérias: informativa e indutiva. A informativa é o santo graal do jornalismo. A indutiva é a que traz fatos com conotação pré-definida pelo jornalista. A verdade perde com a notícia indutiva. Para opinião há o espaço de opinião do Jornal (tecnicamente intitulado “Editorial”). Mesmo colunista deve ser informativo e nada indutivo. Ele dá a opinião dele, mas te municia de informações para que você conclua por si mesmo. Não é o que o Globo faz, nem a Miriam Leitão, muitas vezes. E esse foi um caso.
Segundo, Lula não transformou despesa na Petrobrás em investimento, nem despesa em superávit. Aumento de capital é ato social normal em uma S/A, amigo. E colocar capital em empresa não é despesa, meu caro, é investimento, pois não é compra de bem ou carro, é manter valores em um ativo (ações) que tem perspectiva de retorno e dá margem à participação nos lucros. Por isso foi sim investimento. Agora, todo investimento gera a despesa do valor correspondente, mas não é o mesmo que comprar um carro ou um lápis ou jogar o dinheiro fora, não é?
Agora veja, e isto que vou dizer é simples e fácil de entender e desmonta o argumento da Miriam que você diz sobre maquiagem de superavit: o Governo investiu dinheiro na petrobrás. Contabilmente aumento de capital da petrobrás é lançado como crédito do Governo nas contas da União, ou seja, débito da Petrobrás com a União. Mas o dinheiro saiu de alguma conta credora da União (por favor, não sou contador.. vocês entenderam o que eu disse, né? O dinheiro saiu de um ativo da união e foi para outro, sem ganho de valores contábeis). Portanto, o investimento do Governo na petrobrás por si só não gerou nada para a União, somente alteração de patrimônio de dinheiro para ações. O que gerou aumento de superavit via Petrobrás foi que toda a sociedade brasileira (e não bancos e instituições financeiras como você diz) e inclusive muitíssimos estrangeiros participaram do aumento de capital. Esse valor enorme ficou disponível para a Petrobrás e o Governo, como é sócio da Petrobrás em alto percentual, se beneficiou contabilmente desse investimento brasileiro e estrangeiro na Petrobrás. O pagamento de dividendos também aumentou para o governo porque sua participação aumentou na empresa. A melhora do superavit, portanto, não foi maquiada, mas é mera conseqüência de investimento da União e investimentos particulares nacionais e estrangeiros na Petrobrás. É simples assim. Ninguém é obrigado a investir, mas diante do futuro próspero da Petrobrás com o pré-sal ninguém quer diluir sua posição na empresa, ou quer aumentá-la.
Outra coisa, tranquilize-se quanto ao risco de inexistência de petróleo no pré-sal, meu camarada. Essa semana (veja no google) a BP (British Petroleum) confirmou que as reservas de Tupi, Iara e outra na Bacia de Campos foram subestimadas em 34%. Eu fui até contra a obrigatoriedade de a Petrobrás ser sócia de todos os poços do Pré-sal em 30%, porque isso obriga a empresa a investir em todos os poços, pressionando a contabilidade de riscos e custos futuros da empresa, o que gerou uma desvalorização, no início. Afinal são 600 bilhões de dólares de investimentos. Mas o sucesso do aumento de capital aliado aos valores disponibilizados pela CEF e BNDES já tornaram a equação viável, além da cessão pela União Federal de 5 bilhões de barris que está prestes a ocorrer via lei.
Em relação a gastança que a Miriam gosta de falar, sem dizer onde está a gastança, vou te passar uma grande técnica que em futuro artigo no blog tratarei: analise o orçamento fiscal e a relação dívida/Pib, somente isso. Nosso orçamento fiscal para esse ano, mesmo sem a Petrobrás, ficaria positivo entre 1,6% e 2,2%, no mínimo (o JC informa que seria 2.9% em artigo cujo link disponibilizo no fim do artigo). Positivo. NOs EUA vai fechar 10% negativo e na Inglaterra 15% negativo. E a relação dívida/PIB do Brasil é decrescente e está em 41% (informação da Revista Isto É de 03/11/2010). Os EUA está com dívida pública superior ao seu PIB, ou seja, já passaram de 100% e a Inglaterra está pior. Então, mais uma vez, estamos muito bem obrigado.
Agora, para fechar, procure a pg. 21 da edição do Jornal O Globo, seu preferido do coração, de 08/06/2010. Você verá que enquanto o Brasil dispõe de 1 servidor por cada 32 habitantes (1/32), a França dispõe de 1/12,5 e a Alemanha de 1/18. A inglaterra dispõe de 1/29. Portanto, nos países europeus o investimento em serviço público é pelo menos duas vezes maior do que no Brasil (parece que lá servidor público e serviço público são investimentos e não “gasto”). Agora pergunto: porque europeus (inclusive Irlanda, Hungria e pequenos países europeus) merecem duas a três vezes mais investimento em seus serviços públicos e o Brasil não? São cidadãos de melhor categoria do que nós? E mais uma: se nosso serviço público está defasado em relação ao europeu, inglês e inclusive o norte-americano (sim, eles tem mais servidores públicos em relação à população do que nós – 22% dos trabalhadores americanos são públicos e no Brasil somente 12% de todos os trabalhadores brasileiros é da área pública, incluindo na conta empregados de estatais e cargos em comissão), qual seria o melhor momento para desfazer essa diferença? Será que seria quando o orçamento fiscal estivesse positivo, com crescimento da economia (PIB) e com baixa relação dívida/PIB? Parece que sim.
Então, o que me diz, amigão? Conto contigo para levar este tipo de questionamento para o meu blog. Sem questionadores inteligentes o blog perde oportunidade de esclarecer dúvidas de muitas e muitas pessoas como as que você trouxe.
Abraço”
Como post script, devo dizer ainda que a Petrobrás teve de pagar pela participação nos blocos do pré-sal, gerando mais recursos para a União. O que é maquiagem? Maquiagem é o que a Enron americana fez (e quase todos os bancos americanos e europeus na crise de 2008): alterar fatos contábeis, contra as regras contábeis e contra a lei para encobrir a realidade. Todas as operações contábeis e de investimentos em relação à Petrobrás e à viabilização da exploração do pré-sal e as conseqüências disso sobre os valores destinados ao orçamento público, influenciando sobre o superávit foram legais, foram normais e foram transparentes. Não houve maquiagem alguma. Houve fatos e atos de uma sociedade de economia mista, investimento do Governo Federal e conseqüências naturais de toda essa movimentação (gigantesca por conta dos valores envolvidos) sobre o Orçamento e sobre o superávit fiscal. Jogar suspeita sobre uma coisa clara destas é um desserviço que mais uma vez o Globo faz questão de bancar. É impressionante. A leviandade dessas alegações é grave. E cria desinformação em massa.
Para verem uma notícia sobre este tema que é exemplo de artigo informativo, acessem:
http://www.jcom.com.br/noticia/128011/Com_capitalizacao_da_Petrobras_setor_publico_registra_maior_superavit_primario_da_serie_do_BC
POr último: por que posso dizer que para investir na Petrobrás foi usado dinheiro público e não houve aumento de dívida em relação a esta operação? Porque mesmo sem a operação de aumento de capital da Petrobrás, já existiria superávit fiscal primário. Saibam vocês que com todas as medidas anti-cíclicas adotadas pelo Governo Federal para evitar problemas no Brasil com a crise financeira mundial, incluindo investimento de 180 bilhões de reais no BNDES, para continuar a emprestar para empresas brasileiras, o investimento na Petrobrás, para aumentar a participação da União na empresa que estará em todos os poços do pré-sal e aumentar a fatia de lucros da União (e por conseqüência de toda a sociedade brasileira), mais as deosnerações tributárias (iof e ipi na compra e financiamento de carros, geladeiras, etc..), mais incentivo ao crédito para compra de imóveis e para consumo, não houve aumento da dívida total brasileira superior à ordem de 10%. Já os EUA mais do que duplicou sua dívida, assim como os europeus, Inglaterra e Japão. POrtanto, nosso custo de manutenção dos 15 milhões de empregos brasileiros, e da atividade econômica de todas as empresas pequenas, médias e grandes, saiu muito barato em relação ao estrangeiro. Medidas anti-cíclicas no exterior pode e aumento de endividamento público também, mas, curiosamente, aqui não pode. É ridículo.
abraços para todos