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Que Brazil é esse? — parte 2

19609
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“Brasil, um país do futuro”

Título de livro de Stefan Zweig

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O escritor de descendência judaica Stefan Zweig veio ao Brasil pela primeira vez em 1936, quando havia fugido da Áustria, sua terra natal, que estava coligada na época à Alemanha nazista. Ele chegou ao Rio de Janeiro em agosto e foi recebido como convidado de honra. O Brasil acabou por causar-lhe uma impressão grandiosa, reforçada pela tolerância que aqui existia em termos étnicos e religiosos, o que não combinava com o mundo que ele conhecia, “destruído pelo ódio e pela loucura” [1]. Ainda em 1936, Zweig publicou um ensaio de título “Pequena viagem ao Brasil”. Pouco tempo depois, em 1941, após ter se estabelecido em Petrópolis, ele publicou o famoso livro chamado Brasil, um país do futuro [2].

A primeira edição foi em alemão, e, ainda no mesmo ano, foi publicada a tradução em português. A edição original brasileira alterava parte do título dado por Zweig, retirando o artigo indefinido “um” e chamando o Brasil apenas de “país do futuro”. As traduções para o inglês nos EUA, de 1941, e na Inglaterra, de 1942, seguiram a mesma orientação de alterar o título, revelando ao mundo uma das visões mais otimistas e elogiosas sobre o nosso país: a terra do futuro [3]. Essa visão era justificada nos imensos elogios feitos sobre o Brasil ao longo do livro, já que Stefan Zweig várias vezes declarou seu amor por este país.

O livro, entretanto, não só faz elogios ao Brasil. Faz, inclusive, algumas críticas, sobretudo no que diz respeito a questões relativas à história e economia do país. Há muitas passagens que trazem uma visão interessante do cenário brasileiro, sobretudo se lidas hoje em perspectiva com a época em que foram escritas. Na parte final, o livro passa a ser um roteiro de viagens contendo impressões poéticas sobre o Brasil. O tom geral do livro é bastante otimista e fortemente eloquente. Na introdução do livro, Zweig chega a afirmar: “Ao vislumbrar esperanças de um novo futuro em novas regiões em um mundo transtornado, é nosso dever apontar para este país e para tais possibilidades.” [4]

Stefan Zweig permaneceu em Petrópolis [5] até o dia 22 de fevereiro de 1942, quando cometeu suicídio com uma overdose de barbitúricos. E embora seja estranho que um autor com uma visão tão otimista sobre o Brasil não tivesse o mesmo otimismo em relação à sua própria vida, todas as evidências apontam para o fato de que sua depressão se devia ao que estava acontecendo na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Em sua carta de suicídio, escrita no mesmo dia de sua morte, ele agradece ao Brasil pelo que o país lhe proporcionou, mas declara sentir-se cansado para começar tudo novamente aos sessenta anos [6].

O título de “país do futuro” que Zweig deu ao Brasil ganhou fama mundial e provavelmente é a qualificação mais conhecida sobre o país. Desde o início, tanto o livro quanto a frase foram muito criticados por trazerem uma opinião superficial e ingênua [7] sobre o Brasil e também pelas ligações de Zweig com o governo brasileiro de Getúlio Vargas (1930-1945) [8].

Depois de algum tempo, os brasileiros começaram a questionar se era realmente positivo ser “o país do futuro” e quando chegaria o tal futuro. Começando a abandonar a visão prodigiosa de Zweig, muitas reflexões foram feitas e muitos livros foram publicados no Brasil e no exterior para tentar explicar o que representava ser o país do futuro. A preferência geral sempre recaía sobre o desejo de que o Brasil se tornasse o país do presente no tempo mais breve possível. Em 2001, a prova de vestibular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) trazia seis textos de autores brasileiros famosos, além de um texto jornalístico, com visões mais otimistas ou pessimistas sobre os rumos do país, e propôs aos alunos desenvolverem uma redação cujo título era: “Brasil, país do futuro… até quando?” [9].

O mais notável, porém, foi a influência que a frase teve entre autoridades estrangeiras. Ela foi citada – acompanhada de um trecho do livro – no discurso do primeiro-ministro do Japão na época, Junichiro Koizumi, em sua passagem pelo Brasil em 2004 [10]. Margaret Thatcher, quando não mais ocupava o cargo de primeira-ministra do Reino Unido, proferiu igualmente a frase, no ano de 1994, em um discurso na cidade de São Paulo sobre os desafios do século XXI, refletindo que: “O Brasil é o país do futuro, mas para tanto é preciso decidir que o ‘futuro’ é amanhã. E, como bem sabem, isto significa que as decisões difíceis têm que ser tomadas hoje” [11].

 Mais recentemente, quando vieram ao Brasil o diplomata ganense e ex-secretário geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan [12], em 2009, e o presidente norte-americano na época, Barack Obama (ver seção correspondente) [13], em 2011, eles evocaram todo o entusiasmo de Zweig, afirmando que o futuro declarado na frase já havia chegado.

Isso revela que há um grande otimismo na visão estrangeira do Brasil, às vezes desmedido, inclusive. Esse otimismo é algumas vezes reforçado por momentos dificultosos que os estrangeiros vivem em seus próprios países e também pelo protagonismo que o Brasil vem assumindo recentemente nas questões internacionais.

Resta avaliar se o Brasil ainda é o “país do futuro”. O certo é que a influência que a frase teve no exterior trouxe algo de positivo para o Brasil, o que se reflete no presente e já se refletiu no passado do país. Obviamente, o Brasil ainda tem muitos problemas e o sonho do país imaginado pela maioria não é realidade no país atualmente. Mas o futuro não deve ser entendido como um conceito totalmente definido e, sendo assim, o desenvolvimento pode ser considerado resultante de uma série de decisões tomadas no presente, no cotidiano de cada um dos brasileiros que ainda acreditam que este país tem um brilhante futuro pela frente. É nesse sentido que o Brasil tem sido visto como o país do presente.

Notas:

[1] Citado em Stefan & Lotte Zweig, organização e introdução de Darién J. Davis & Oliver Marshall, pg. 34 (Versal Editores, RJ, 2012).

[2] Zweig afirma que a ideia do Brasil como uma terra do futuro não era originalmente sua e ele usa como epígrafe do livro a descrição do Brasil feita em 1868 pelo conde Prokesch-Osten, um diplomata austríaco, em uma carta: “Um país novo, um porto magnífico, o distanciamento da mesquinha Europa, um novo horizonte político, uma terra do futuro e um passado quase desconhecido que convida o homem de estudos a fazer pesquisas, uma natureza esplêndida e o contato com ideias exóticas novas.” Citado em: Brasil, um país do futuro, de Stefan Zweig, pg. 11 (L&PM, RS, 2013). Outras obras com o mesmo título, inclusive, já existiam: a primeira, Brazilië. Eenland der toekomst, foi publicada em 1909 pelo holandês N. R. de Leeuw (disponível no site: http://www.dbnl.org/tekst/leeu113braz01_01/). Outros usaram títulos muito parecidos para as suas obras, como o alemão Heinrich Schueler, em 1912, e o italiano Francesco Bianco, em 1922. A obra de Zweig, entretanto, é sem dúvida a mais famosa.

[3] O livro Stefan & Lotte Zweig comenta, entre as páginas 32 e 33, que “(…) parece improvável que a omissão do artigo indefinido tivesse sido mero descuido (…)” e que “Somente no ano 2000 Lowel A. Bangerter adicionou a palavra ‘A’ [Uma] em sua tradução para o inglês: Brasil: A Land ofthe Future (…).” Nas edições brasileiras mais recentes já aparece o artigo, trazendo o título Brasil, um país do futuro.

[4] Citado em Brasil, um país do futuro, de Stefan Zweig, pg. 23 (L&PM, RS, 2013). O jornalista norte-americano Larry Rohter (ver a frase de Otto Maria Carpeaux) faz um comentário em relação a isso, dizendo que passagens como essa serviriam “para indicar as expectativas inatingivelmente elevadas com que o Brasil tem sido confrontado, e o complexo de inferioridade resultante disso.” Citado em: Brasil em alta. A história de um país transformado, de Larry Rohter, pg. 17 (Geração Editorial, SP, 2012).

[5] Sua antiga casa é hoje um museu dedicado à memória dele e de sua esposa.

[6] O texto completo de sua carta de suicídio, escrita em 22/02/1942, está disponível no seguinte site: http://www.casastefanzweig.com.br/sec_texto_print.php?id=16. [Nota posterior à publicação do livro: há uma discussão entre estudiosos e autores se o casal realmente se suicidou ou se foi assassinado por organizações nazistas instaladas na América Latina na época. O professor Deonísio da Silva, após amplas pesquisas, conclui pela segunda hipótese em seu romance “Stefan Zweig deve morrer” (editora Almedina Brasil, SP, 2020) e em palestra on-line, no dia 08 de agosto de 2020, para o evento Filosofia na Praia, disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=216904966367508&id=417995621946187]

[7] Millôr Fernandes, inclusive, chegou a ironizar diversas vezes a visão de Stefan Zweig e chamou o Brasil de “país do faturo”. Citado em Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos, de Millôr Fernandes, pg. 55 (L&PM, RS, 2007).

[8] Muitos intelectuais chegaram a acreditar que o livro teria sido encomendado pelo DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura de Vargas.

[9] A prova de redação está disponível para download no seguinte site: http://www.eq.ufrj.br/vestibular/nukleo/zip/provas_vestibular_ufrj_2001.zip.

[10] O discurso está disponível em: http://www.mofa.go.jp/region/latin/pmv0409/address-p.pdf.

[11] O discurso está disponível em: http://www.margaretthatcher.org/document/108330. A tradução da frase está em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/o-que-margaret-thatcher-ja-falou-do-brasil#9.

[12] A notícia da visita e da citação de Kofi Annan aparecem em uma reportagem do jornal Estadão de 23/11/2009, disponível no site: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,grande-futuro-do-brasil-ja-chegou-diz-kofi-annan,470885.

[13] O discurso de Obama em que aparece a citação está disponível em: http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2011/03/20/remarks-president-people-brazil-rio-de-janeiro-brazil.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Muito bem, Paulo! Mais um ótimo texto.

    Lamentavelmente, nosso país tem uma tradição de dar pouca importância à história. Precisamos pagar algumas dívidas e algumas promessas antes de nos tornarmos o país do presente. E assim talvez seja possível um presente e um futuro melhores.

    Nem visão otimista, nem pessimista. Precisamos de uma visão realista. Mas acompanhada de boa vontade.

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