Primeiramente, pessoal, queremos deixar claro que somos a favor de uma reforma na previdência, seja a dos trabalhadores celetistas, ou seja, do INSS, seja a dos servidores públicos federais, estaduais e municipais. Mas se não devemos confiar e nem querer “salvadores da pátria” de esquerda, também não os devemos querer porque são de direita.
O debate deve ser honesto. Isso não pode ocorrer em 6 meses de governo. E por que a pressa para a votação? Para te enganar, leitor. Vamos tratar aqui do que, em termos político-estratégico trata esta reforma da Previdência que quer transformar a previdência retributiva coletiva em contributiva individualista.
Apesar de o único viés que se encontra publicado na grande mídia seja de uma abordagem pseudo-técnica, exclusivamente indicando que a previdência deve ser sustentável e que o déficit deve ser estabilizado, há mais por trás disso.
Nós acompanhamos isso há mais de vinte anos. É totalmente objetivo informativo e objeto de estudo do Blog Perspectiva Crítica.
Agora, vejam… simplificando, o que o Paulo Guedes vem dizendo em seminários e para os políticos é que o Banco Central nunca teve ajuda do lado fiscal para efetuar o controle da inflação e estabilizar a economia para que ela entrasse em ciclo vertiginoso. Ok. Concordamos. Não vamos entrar aqui no detalhe de porque houve problema pelo lado fiscal. Não foi só irresponsabilidade, nesses 40 anos. Há mais de uma história de genial sucesso brasileiro que por mérito nos trouxe ao dia de hoje. Um dia contarão ou nós contaremos essa história que tem um lado bonito. Mas que estamos atrasados 4 décadas nisso, inclusive excepcionando a lei de responsabilidade fiscal, que é de 2001, sim, está certo.
Agora, há diversas maneiras de se acertar o lado orçamentário. Para dicotomizar, que deixa tudo mais fácil, pode-se sacrificar mais ricos ou pobres, grandes empresas e bancos ou pequenas e microempresas. Pode se fazer de maneira honesta e transparente ou pode ser feito mentindo.
A MENTIRA DO DIMENSIONAMENTO DO DÉFICIT
O que o Paulo Guedes está apresentando já começa mentiroso porque não parte do correto dimensionamento da previdência e de seu déficit real. Ele tinha que primeiramente separar assistência social de previdência; o que aliás disse que faria em algum momento. Tirar os subsídios que contam com ainda 68 bilhões de reais que são receitas retiradas da previdência. Há muito desvio de tributos que deveriam ir para a previdência e não vão. Isso é dizer a verdade sobre o déficit. Tira a responsabilidade da previdência em bancar o que é assistência social e devolve a receita dela e dimensiona o real “déficit”. Aí , pode consertar. Aí, sim.
Outra coisa que ninguém fala: a situação da previdência do INSS hoje, que é o dobro do “déficit construído pelo mercado” do déficit da Previdência dos Servidores Públicos (melhor dimensionado em termos de verdade), é o resultado da maior crise econômico-financeira que o Brasil já passou há pelo menos 30 anos. Hoje, com muitos desempregados, há amenos receita para o INSS e há mais despesa para bancar esses desempregados. Isso é um momento. Mas estão pegando isso como se fosse uma realidade perene e a partir disso fazendo prognósticos que desconsideram a retomada do crescimento econômico e geração de emprego, o que aliás já ocorreu em fins do ano passado (criados 500 mil empregos líquidos com o crescimento de 1,1% do PIB em 2018) e inclusive em fevereiro de 2019, com a criação de 175 mil empregos de carteira assinada). Parte-se de uma falácia, pois.
Ele pode não estar falando a verdade para manter a pressão de uma chantagem social sobre a quebra da previdência para conseguir a reforma? Pode. Mas está errado. Não falar dessa situação especial de o INSS estar pressionado porque passamos por uma crise grave recentemente distorce o debate. Não dizer que a economia está melhorando independente da reforma previdenciária distorce o debate. E manter subsídio tira receita da previdência. Mas grande parte disso ele quer compensar diminuindo direitos previdenciários dos brasileiros. Este viés beneficia empresa e prejudica o aposentado. Mas esse debate até aqui ainda é considerando o sistema de repartição e não o regime de capitalização.
Por que beneficia empresas? Porque não se retira benefícios de 68 bilhões de reais anuais de empresas que não criam benefícios econômicos ou em empregos proporcionais a esta renúncia fiscal para diminuir o “buraco” da previdência mas se admite cobrar mais dos aposentados e pensionistas e pagar-lhes menos. Injusto. É necessário que empresas e aposentados e pensionistas e servidores ajudem. Todos. A reforma prejudica só as pessoas físicas.
A MUDANÇA PARA O SISTEMA DE CAPITALIZAÇÃO
Mas, como dissemos, esse debate até aqui ainda é considerando o sistema de repartição e não o regime de capitalização que o Paulo Guedes quer instituir. Esse regime é pior. Ele vai transferir, no fundo e a médio prazo, a previdência para os bancos. Esse é o objetivo final. Como?
Mudar para um regime de capitalização é transformar a previdência social numa previdência privada. Primeiramente, isso vai gerar um déficit grande que é o período a partir do qual ninguém mais vai contribuir para o pagamento da aposentadoria atual de ninguém até o dia em que o último aposentado no regime de repartição morrer e deixar de receber aposentadoria, além de seus beneficiários. Essa é uma consequência, mas sigamos.
Então, como se vê, a reforma proposta, tanto na modalidade de melhora do sistema de repartição quanto no caso de transformar o sistema de de repartição coletivo para o de contribuição individual, cria algo sobre o qual ninguém fala, seja no RGPS seja no RPPS ( dos servidores). Não fala do déficit que ficará. Não fala de real dimensionamento de déficit da previdência. Não fala de provável diminuição, no futuro, de valores de aposentadorias de aposentados e servidores e pensionistas e/ou diminuição de cobertura do seguro social, dentre outras muitas coisas. Isso é enganar.
Mas considerando que tudo estivesse certo, ou seja, que o debate fosse transparente e todos os brasileiros, sabendo da verdade (que não é o caso) optassem pelo sistema de contribuição individual, o que não se fala sobre esta hipótese de capitalização?
Instituir o regime de capitalização pode (1) ou gerar um concorrente público para a área privada, porque o leque de produtos do seguro social é maior do que o da previdência privada que só paga algo no fim ou devolve o dinheiro, no geral (Isso seria o efeito bom) ou (2) vai haver desestímulo ao pagamento da previdência social, no caso desta pagar menos do que a previdência privada, e aí todos migrarão para bancos, até tirar o apoio social da previdência social e ela ser declarada opcional ao cidadão e com isso ela se findará. Esse é o objetivo final verdadeiro: transferir tudo a bancos.
Em qualquer caso, no regime de capitalização, creio que aumentará muito o número de brasileiros que se aposentarão com um salário mínimo somente e isso pode dar no que hoje ocorre no Chile que privatizou sua previdência há 30 anos atrás: 95% dos aposentados ganham um salário mínimo e têm de ser muito assistidos pelo Estado para manter sua saúde e uma qualidade mínima de vida em nível de sobrevivência.
CONCLUSÃO
Então, acho que está pouco debatido o problema aí e muita coisa não é dita. No final, a pessoa física sempre será sacrificada (servidor, trabalhador, aposentado, pensionista). O rico e as empresas contribuirão menos para a previdência e esse é o objetivo real, pois, se cada um contribui totalmente para si, por que se cobrar algo de empresas? O sistema ficará “sustentável” somente com o dinheiro das pessoas físicas e as contribuições das empresas, que eram para o sistema de aposentadoria e o futuro das pessoas, virarão mais lucros das empresas. As empresas terão o benefício social de sua atividade econômica e terão sido excluídas da obrigação de ajudar a sociedade que a enriqueceu.
Mas algo deve ser feito e concordo com várias alterações na previdência do RGPS ( INSS) e do RPPS ( dos servidores).
O tema é imenso para quem fala a verdade, então haverá mais artigos sobre essa reforma da previdência e seus reais objetivos político-estratégicos. O objetivo da reforma proposta é fazer o brasileiro pagar exclusivamente por sua aposentadoria, de preferência em contratos de previdência em bancos, e excluir totalmente o custo previdenciário de empresas.
P.s. de 03 de abril de 2019 – Texto revisado e ampliado.
P.s. 2 de 25/04/2019 – Texto revisto e corrigidos o antepenúltimo e o último parágrafos. incluídos tópicos “A mudança para o sistema de capitalização” e “Conclusão”, para reorganizar o texto, sem alteração do conteúdo do artigo.