Pessoal, analisando rapidamente o Decreto n.º 8.243/2014, a pedido e sugestão de meu amigo Renardo, imediatamente vem a nós a seguinte pergunta: por que não apresentar isso ao Congresso para que tivesse tramitação normal procedimental legislativa? Por que não levar a debate social e em sede parlamentar? Lá poderiam ocorrer audiências públicas para ampliar o debate social sobre a participação direta da sociedade no governo.. Então a forma de apresentar esse método de participação direta social no governo, através de Decreto, não soa bem.
Em segundo lugar, já se discutiu e ainda se discute em Fóruns Políticos e Acadêmicos a participação direta. Veja, hoje temos a tecnologia para isso, mas a realização é impossível. Impossível porque os cidadãos não dispõem de assessoramento técnico ou político para discutir todas as questões políticas, econômicas e sociais… impossível pois não têm educação nivelada, ainda, para poder debater as questões que muitas vezes são altamente complexas tecnicamente e politicamente, com impactos federativos e institucionais… e mesmo que no Brasil tivéssemos a situação social e educacional da Dinamarca, finalmente seria impossível pois as pessoas não teriam tempo para se dedicar a isso, pois têm que trabalhar, estudar, dormir, alimentarem-se, estar com a família e com amigos.
Então, a participação direta, quase possível na Grécia Antiga, mas somente à parte dos cidadãos mesmo àquela época (mulheres eram excluídas e nem todos os homens livres podiam participar das Cúrias), não é possível de forma alguma nas sociedades modernas atuais.
Realmente a leitura do Decreto n.º 8243/2014, a nosso ver cria um organismo paralelo com funções assemelhadas a de instituições que já existem, como a CGU o TCU. Cria ainda um organismo paralelo que influencia todas as agências reguladoras e cria um mito de que haveria uma discussão social mais ampla e direta entre o Governo e a Sociedade. Mas pergunto, como a sociedade pode dialogar diretamente com o Governo? Quem seriam esses representantes sociais?
Nesse momento fortalece a idéia de exclusão dos políticos.. e de exclusão de você que me lê (que seria a sociedade), porque o Decreto diz que esses representantes serão “escolhidos”. Não é cargo eleito e nem por concurso público. Serão escolhidos. Não é dito como seriam escolhidos. Aparentemente seriam de movimentos sociais, creio, mas isso também não é representação social no governo de forma alguma, veja bem, pois eu posso discordar do Movimento do Passe Livre, do Movimento dos Sem Terra ou do Movimento dos Sem Lancha e Helicóptero…
Realmente é grave a proposta do Decreto, pois para um especialista em Direito como eu que vos escrevo, parece inócuo, superposto ao que já existe institucionalmente em sociedade, quimérico, e anti-democrático.
Não é possível obrigar uma agência reguladora a considerar regras que seriam criadas pelos “órgãos” do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).
É especialmente preocupante o artigo 5º, veja:
“Art. 5
ºOs órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas.”
Isso parece uma sugestão, mas isso acabaria com a autonomia das agências reguladoras.. e como os representantes “escolhidos” vão opinar sobre hidrelétricas, plataformas de petróleo, cabeamento de telefonia celular, liberação de novos medicamentos para uso em sociedade etc.. etc..???? Pessoas com doutorado em engenharia, ao decidir sobre estruturas que devam ser construídas para a logística do País terão de considerar “para a formulação, a execução.. de seus programas e políticas públicas” a opinião “social”? De quem? Travestida e representada por quem? Pelo líder dos Black Blocks? Gente…
Fico muito triste em ter de concluir que o Decreto n.º 8243/2014 é péssimo. Não posso defendê-lo de forma alguma.. e olhem que olhei por todos os lados possíveis. Eu acredito que nossas instituições republicanas são muito fortes, mas esse tipo de tema e tentativa de “representação direta” no governo, que sabemos que é impossível e é pretexto para enfiar “amigos” na máquina pública, é realmente esquisito e perigoso. Já vi algo semelhante criado pela Secretaria Municipal de Educação do Governo Eduardo Paes.. a pretexto de participação popular, houve cooptação dos membros para apoiar atos de governo, já que estavam “no poder”, e foi usado como método para deslegitimar críticas contra o governo, já que toadas as medidas eram “legitimadas” por representantes diretos da sociedade, escolhidos nas CREs por votos dentre os pais de cada Conselho Regional de Educação da Rede de Escolas do Município. Eu vi e participei disso. Ninguém me contou.
O Lula já tinha criado o Conselho Nacional Social, com representantes da área produtiva. Sim, não era tão democrático, pois somente lideres empresariais estavam lá, mas era algo organizado, com foco determinado. Então, era medida pouco criticável. Era um aumento de participação social que reputo bom. Apesar de o socialismo pensar em criar uma participação mais direta, como Conselhos Populares Municipais para averiguar e determinar gasto orçamentário, por exemplo (Orçamento participativo), idéia razoável, a princípio, isso não é possível em sede federal no Brasil e talvez não seja possível em grandes Municípios sequer.
Só que o Decreto que ora criticamos vai muito além! Ele cria um sistema de participação direta, por pessoas “escolhidas”, influenciando toda a máquina pública federal!!!
Isso para mim é inconstitucional, pois não tem previsão na Constituição. É ilegal, pois não tem lei que a legitime. É anti-democrático, pois não foi sequer levado a debate no Congresso. É inócuo e ineficaz, pois enfia na Administração Pública profissional pessoas não profissionais, atrapalhando a execução da finalidade de cada órgão, entidade, agência reguladora, todos integrantes da Administração Pública Direta e Indireta.
Isso realmente parece que, para nós, junto com outras atitudes anteriores de desrespeito à República Brasileira, como desconsiderar a autonomia do Judiciário para gerir seu próprio orçamento, como determinar que os precatórios fossem pagos em 10 ou quinze anos, e que as dívidas da União, condenada pelo Judiciário, fossem pagas com o orçamento do Judiciário, tudo isso é um indicativo incomum de que a ordem republicana e a democracia representativa no Brasil parece não contentar ou não ser entendida por Dilma. Outras coisas ruins também foram sugeridas como atuação do TCU em fiscalizar obras públicas “a posteriori“!! Quer dizer, a atuação do TCU, que é preventiva para impedir prejuízos ao Erário, seria, de acordo com proposta do governo, somente após as obras prontas, para contar o valor do prejuízo e processar as empresas para nunca obter o valor de volta… vide Maluf e César Maia – casa da música.
Não é possível, por mais que queiramos, substituir os políticos como representantes da sociedade. Não é possível colocar pessoas na administração pública sem concurso público. Não é possível condicionar atuação técnica à opiniões atécnicas!
O governo deve admitir o rumo que adota par a administração pública quando eleito e deve se submeter à aprovação na próxima eleição. Não é possível á sociedade monitorar finamente durante o processo de governo. A mídia deve publicar fatos relevantes e pô-los na ordem do dia para a discussão. A mídia é livre para ser mais neutra, de esquerda ou de direita e a sociedade deve ser educada para poder acompanhar criticamente o que a mídia publica. Os políticos devem representar os cidadãos no diálogo com o governo, por pior que isso seja e por mais chance à maracutaias que isso permita. Crimes, maracutaias, politicagem, devem ser fiscalizadas pela sociedade através dos parlamentares que as denunciam, da mídia e da atuação do Ministério Público, Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União e da Polícia Federal. E a sociedade deve participar diretamente sim, nas ruas ou através de meios constitucionalmente previstos: referendo, audiência públicas e plebiscito.
O Blog Perspectiva Crítica vê com preocupação o Decreto n.º 8.243/2014, se posiciona contra a forma e no conteúdo da medida! E por mais que toda a atuação do governo esses doze anos tenha sido muito boa pela perspectiva social, nada vale a pena se a democracia é posta em xeque.
Esperamos que a mídia interpele a Presidenta e os Ministros par que expliquem esse Decreto. Isso sim, parece uma primeira medida “bolivariana”. Mas é claro, não vingará, pois as nossas instituições impedirão.
Fiquem com mais uns artigos que selecionei do Decreto para verem por vocês mesmos:
DECRETO 8243/2014
p.s.: texto revisto e ampliado.
p.s. de 29/10/2014 – Realçado em negrito o §4º, do artigo 10 do Decreto 8243/2014, pois é o máximo do absurdo. Indica que a pessoa “escolhida” que integrar a instituição ou órgão da admisntração direta ou indireta, apesar de não possuir remuneração, como indica o §1º, poderá celebrar “parcerias com a adminstração pública”. Ou seja, ele não ganha no “cargo”, mas pode ganhar com outra parceria com a adaminstração pública.. imoral. Absurdo total. Se a participação é desinteressada, como a falta de remuneração sugere, uma atividade voluntária, deveria ser proibido que o escooolhido tivesse qualquer parceria com a adminstração pública, pois pode haver interesse cruzado.
p.s. de 30/10/2014 – A Câmara dos Deputados expediu Decreto Legislativo cassando os efeitos do Decreto n.º 8.243/2014 e seguiu para o Senado, que já dá notícias de que confirmará a suspensão de efeitos do malsinado Decreto bolivariano. Ótimo. o PSOL, PCB e PCdo B paresentaram o mesmo teor do Decreto em questão na forma de Projeto de Lei. Ótimo de novo. Isso é mais democrático. Mostra que nossa posição e análise tinha fundamento, surpreendeu a sociedade e o Parlamento e ensejou a rara atituude parlamentar de formular Decreto Legislativo para suspender eficácia de ato do Executivo. Medida correta e apoiada pelo Blog Perspectiva Crítica.