Continuando a série sobre temas sobre a Administração Pública que você nunca verá explicado pela grande mídia, na perspectiva do seu interesse na qualidade de cidadão e contribuinte do Estado brasileiro, tecerei simples considerações sobre a estabilidade do servidor público e a razão para a existência de cargo em comissão, que é o cargo de livre nomeação. Há algum motivo para que estas duas coisas existam sem que seja o escárnio do cidadão brasileiro? Sem que seja fazer o cidadão brasileiro de bobo? Sem que seja o motivo do descompromisso dos servidores públicos com o seu e o nosso bem-estar e o motivo de troca-troca de favores entre parentes de políticos, autoridades públicas e pessoas influentes da área privada?
Para a surpresa de todos, senhores e senhoras, a resposta é sim. Lamento se não posso compactuar com as atrocidades que a grande mídia procura tentar cometer contra dois institutos de direito administrativo importantíssimos para a garantia do bom funcionamento da Administração Pública e para a defesa do seu interesse como cidadão brasileiro na condução da coisa, riqueza e interesses públicos.
Irei direto ao ponto. A estabilidade do servidor público é essencial para o interesse público. Por quê? Porque o servidor público lida com funções de interesse público. Mas ele é uma pessoa normal como eu ou você. Se ele tem família, se tem filhos que vão à escola, se ele tem contas a pagar todo mês, como qualquer pessoa, pode ficar suscetível a frustrar o seu compromisso com o interesse público se tiver seu emprego colocado em risco. E ao contrário do exercício de atribuições ou funções na área privada, se ele agir mal não coloca somente o interesse privado em risco, ou sua carreira, mas o interesse público.
Em um exemplo claro, é comum na administração pública como na privada o chefe ou líder que quer atingir objetivos escusos, quando isso ocorre, tentar que o contador ou o assessor jurídico ou advogado assine um parecer anterior dizendo que aquele ato é admissível e interessante para a empresa ou para o interesse público. Na área privada, com risco somente para a empresa, na mais das vezes, a única saída para o empregado honesto é pedir licença médica, obter indicação para fazer viagem de negócios ou mudar de seção ou pedir demissão. Na área pública, com a estabilidade, o servidor tem todo direito de se indispor com quem quer que seja seu superior que lhe determine realizar algo contra o interesse público. Sem estabilidade ele fica na mesma situação do empregado da área privada, mas o interesse em risco é público. Aí está a diferença. É isso. Simplesmente isso.
Saiba que a estabilidade somente existe para servidor público, aprovado em concurso público e depois de ter passado em estágio probatório que já foi de dois anos e hoje é de três anos. Esta aquisição da estabilidade ao cargo somente ocorre após este período e após avaliações semestrais. A estabilidade, portanto não é privilégio do servidor, mas prerrogativa do cargo. É pelo cargo ser público, com atribuições públicas, com responsabilidades de interesse público que o servidor adquire estabilidade ao cargo, ou melhor que depois de aprovado após avaliação de provas, títulos, aptidão psicológica e, por vezes, física, de produtividade, avaliação de conduta ética e educada com o público e com os colegas de trabalho, durante mais de três anos, é que o cargo para ele se torna estável.
Mas mesmo assim, às vezes, políticos ou indicados políticos ou mesmo chefes corruptos, servidores ou não, querem submeter os servidores públicos para atingir objetivos escusos em prejuízo do interesse público. Como não pode demitir, tentam ameaçar com procedimentos administrativos, disponibilidade do servidor ao departamento de recursos humanos e tentativa de mudá-lo de setor, muitas vezes mudando o servidor de cidade ou mesmo de Estado. É claro que você nunca ouviu sobre isso se não conhece servidores, pois são temas delicados e sensíveis. Além disso, você nunca verá isso publicado em jornal, mas pergunte a amigos seus servidores se já ouviram falar disso?
É por isso que além da estabilidade, a lei e a jurisprudência (decisões judiciais reiteradas), junto com os cientistas jurídicos, especialistas em gestão pública acabaram cercando o servidor público de outras garantias, sendo a principal a impossibilidade de mudar o servidor de lotação (mudar de departamento, cidade ou Estado) como forma de punição administrativa. Isso para garantir que o servidor público não se curve aos interesses de pessoas inescrupulosas e para que o servidor possa exercer sem medo e com total comprometimento público as atribuições que a população, a sociedade e o Estado lhe confiaram.
Em virtude disso, algumas outras carreiras públicas com atribuições mais distintas e de altíssima importância pública e complexidade são cercadas de mais garantias ainda, criadas por conta da constatação de que abusos contra estes servidores especiais (na verdade verdadeiros agentes políticos, já que implementam política pública) já ocorreram e o risco público que resulta do mal exercício dessas funções é altíssimo. Por isso, por exemplo, os cargos de Juízes de Direito e Promotores de Justiça, além da estabilidade, gozam ainda da inamovibilidade e vitaliciedade.
Um servidor público pode ser colocado em disponibilidade ao setor de recursos humanos e ser relotado em outro departamento, cidade ou Estado, se não for punição decorrente de procedimento administrativo. Isso dá margem para algumas e raras, mas ainda ocorrentes, injustiças. Mas um Juiz ou um Promotor de Justiça, depois de adquirirem a titularidade em um órgão do Judiciário (Vara, Câmara, p.ex.), não podem mais serem mudados de lugar. Isso é ótimo, pois nem mesmo ameaças do Presidente do Tribunal ou do Chefe do Ministério Público impedem o Juiz ou o Promotor de Justiça de atuarem como entenderem que é justo e que seria de acordo com o interesse público. E o Juiz não pode ser demitido (vitaliciamento), sendo a saída para o dilema de punição máxima administrativa para o Juiz a aposentadoria compulsória, sem prejuízo de punições cíveis e, se for o caso, até prisão, na esfera penal.
Todos os servidores e inclusive Juízes e Promotores podem responder a processos administrativos, a investigações policiais e responder a processos criminais e sofrerem conseqüências administrativas, penais e cíveis de seus eventuais atos levianos, inclusive podendo todos serem presos, em caso de culpa comprovada, mas as garantias administrativas do seu cargo diminuem muito a possibilidade de o servidor honesto se sentir acuado no exercício da sua função, e estas garantias se prestam à defesa do interesse público.
Outros cargos públicos conseguem outro tipo de benefício, em razão, como sempre, do interesse público. Vejam os médicos e professores públicos. Estes cargos são tão importantes para o interesse público que há garantia especial na Constituição de que os servidores que ocupem esses cargos possam acumular dois cargos públicos (art. 37, XVI da CF/88). O objetivo seria o privilégio dessas pessoas em relação aos demais servidores?! Não. São tão importantes as funções de professor e de médico e a necessidade do Estado e da população por bons profissionais e em quantidade suficiente é tão grande, que quem puder passar em um concurso público destes tem o direito de participar de outro concurso e acumular outro cargo público, desde que haja compatibilidade de horários entre os dois cargos acumulados.
Mas nem só de benefícios são aquinhoados os servidores públicos, médicos e professores. Os servidores públicos para que exerçam com lisura suas atribuições públicas não podem ser gerentes de empresas e podem sofrem limitações para exercício de outra profissão (como advogar, por exemplo). Juízes e Promotores de Justiça, além daquelas limitações, não podem ser filiados a partidos políticos. E para médicos, senhores, servidores ou não, assim que saem das faculdades são obrigados a prestarem serviço nas Forças Armadas. Nem tudo são bônus, não? Tudo sempre em razão de interesse público. Servidor Público também não tem FGTS e hora extra é pura lenda,.. menos, é claro, no Congresso. E, é claro, também não possui direito à participação nos lucros, mesmo que tenha as idéias mais mirabolantes que resultem em enorme economia de valores para os cofres públicos ou em enorme aumento de arrecadação de taxas e tributos. Quem quiser ficar bem com a Chefia, ter função gratificada ou permanecer em um bom departamento com bons colegas para trabalhar, deve fazer parte do grupo de trabalho e produzir. Mas isto será abordado em outro artigo.
Só a título de curiosidade, saibam que antes da criação do FGTS o empregado da área privada, por lei, após 10 anos, adquiria estabilidade e era muito difícil ser demitido. Isto ainda vigora em Portugal, por exemplo. Mas a sobrevinda do FGTS tornou possível afastar-se essa garantia ao empregado da área privada em troca de uma compensação pecuniária, além de facilitar a escolha do empregador por empregar mais pessoas sem temer ser obrigado a mantê-las na hipótese de reversão na sorte dos negócios. Estas lógicas não se aplicam à área pública e a estabilidade e outras regras diferentes, atinentes ao cargo e ao servidor público, seguem com alterações e adoção de técnicas de gestão de produtividade e estímulo da área privada, na medida em que isso é possível e aplicável, sem prejudicar o interesse público.
Por fim, e os cargos em comissão ou, como são mais conhecidos, de livre nomeação? Como se justificam? Existem para que se possa empregar parentes? Existem para que as autoridades que efetuam as nomeações empreguem os namorados de suas filhas? Foi para isso que a lei, votada regularmente por nossos representantes, que instituiu este tipo de cargo público, foi criada? Não senhores, por mais estarrecedor que lhes possa parecer essa afirmativa diante da abordagem dos jornais dos inúmeros casos de mau uso do poder de nomeação desse tipo de cargo.
Alguns cargos públicos de autoridades públicas exigem que lhes seja disponibilizado um grupo de cargos públicos de livre nomeação devido à importância da atribuição da autoridade pública e a necessidade de comprometimento pessoal das pessoas que trabalham com ele. Por exemplo. Um político. Considerando que seja um político honesto e comprometido com o interesse público, já que foi escolhido pelo eleitor brasileiro, muitas vezes ele tem acesso a informações públicas sigilosas ou desenvolve uma política que para ser implementada precisa de todo um esforço de contatos que não pode ser tornado público em um primeiro momento, sob pena de todo o movimento que ele quer implementar não ser exitoso ou mesmo de ser a idéia passada a outro político que a implemente antes. Nessa hipótese você, eleitor, vai achar que o político inteligente e capaz é um, quando na verdade é outro. Ou o projeto político pode não ser implementado e você foi prejudicado mais uma vez.
Veja, agora, na área do governo, no Executivo. Imagine se o Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, enquanto discute políticas e projetos de segurança, não possa escolher quem discute com ele e quem implementará os projetos? O servidor de cargo efetivo existe para realizar aquelas funções essenciais que precisam de comprometimento, mas para participar junto das autoridades públicas é necessário confiança pessoal. Por isso várias autoridades têm à sua disposição cargos em comissão ou de livre nomeação e, por vezes, meramente funções gratificadas, acessíveis somente aos servidores públicos de cargo efetivo, estáveis, mas para exercerem atribuições de maiores responsabilidades e com a confiança do chefe hierárquico ou da autoridade pública. É por isso que os cargos de livre nomeação são de livre nomeação: por causa exclusiva da necessidade de confiança. Se for perdida a confiança, este tipo de servidor pode ser demitido (na verdade se diz exonerado) imediatamente, em proteção ao interesse público, mais uma vez.
Entendendo essas características do cargo público, a diferença entre cargo público estável de cargo público de livre nomeação e de função gratificada, espero, agora, que você possa acompanhar a razão da existência dessas características e de seus motivos e finalidades públicas. Agora, há erros de condutas de servidores? Há abuso de criação e nomeação a cargos de livre nomeação? Há. Então que se apure. Que o cidadão possa entender ao que se prestam a estabilidade ao cargo público e para que existe cargo de livre nomeação para se saber quando são necessários e quando não são.
Mas que jornal vai te dar acesso a este tipo de informação? Não espero que este tipo de informação seja publicado em jornais, os quais não se prestam a informar a você sobre a estrutura da administração pública. Mas o que me agride é ver a generalização dos pouquíssimos maus servidores estáveis ou das autoridades que abusam dos cargos em comissão (de livre nomeação) e dizer que o problema é a estabilidade e a livre nomeação. Não culpem o cargo público, não culpem as características dos cargos públicos que existem para a defesa do interesse público. O erro não existe por causa da estabilidade ou livre nomeação; ele existe apesar da estabilidade e da livre nomeação. Fiscalizemos e punamos responsáveis. Estabilidade do cargo público e cargo público de livre nomeação existem como elementos estratégicos de administração pública e gestão de pessoal na área pública com enfoque na defesa do interesse público.
Segue a série.