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Entrevista com o físico Alexandre Cherman

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1. Qual(is) foi(ram) sua(s) inspiração(ões) para estudar Astronomia e Ciência?

Bom, eu gostaria de ter uma história bonita para contar, um grande nome, um momento “eureca”… mas não tenho. Meu grande incentivador foi meu pai, mas não o chamaria de “inspiração”, pois ele não era cientista. Mas definitivamente ele curtia matemática e sabia da minha facilidade com a matéria, então desde cedo sempre me estimulou muito. Ou seja, desde cedo eu me reconheci como uma pessoa de Exatas. Também com meu pai eu dei meus primeiros passos na Astronomia, pois ele era Capitão de Longo Curso e me ensinou algumas coisas sobre o céu. Mas eu creio que ele não ficou muito feliz quando eu optei pela Astronomia como profissão, dadas as incertezas do mercado de trabalho na área. Por sorte deu muito certo para mim. Bem, talvez não tenha sido somente sorte…

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 2. Em seu livro “Cosmo-o-quê?” você afirma que a evolução com a Teoria da Relatividade de Einstein foi, para a Física, como a passagem da soma para a multiplicação para a Matemática. Einstein também foi uma figura controversa ao escrever, na época, para o presidente norte-americano Roosevelt anunciando e detalhando a descoberta da bomba atômica. Observando os investimentos e as pesquisas atuais na área científica, qual(is) pode(m) ser o(s) próximo(s) salto(s) qualitativo(s)? É possível que as próximas descobertas venham com um custo humano, um abandono ético ou uma capacidade destrutiva tão altos?

Eu tenho uma frase muito forte que eu digo sempre, que nossa Ciência sempre evolui mais rápido do que nossa Consciência. Fazemos descobertas fantásticas e, antes de compreendermos todos os seus aspectos, todas as suas facetas, já as estamos incorporando em nosso dia-a-dia. Acho que isso é assim mesmo, mas à medida que sabemos mais e mais sobre o Universo e a matéria, sabemos cada vez menos sobre a mente humana, no sentido coletivo. Veja a própria internet… Vivemos na Era da Informação e qualquer um de nós tem acesso a dados que jamais sonhamos. Tudo está ao nosso alcance, em termos do conhecimento acumulado. E o que fazemos com isso? Investimos nosso tempo em vídeos fofos de gatinho, memes, fakenews, discurso de ódio…

Eu não sei precisar, nem mesmo esquadrinhar, qual seria o próximo salto qualitativo em termos científicos. Na minha área, a descoberta de vida alienígena revolucionaria o nosso pensamento coletivo. Mas não faço ideia do que isso traria à sociedade. Hoje não tenho dúvidas de que certamente haveria um custo social… Veja a manipulação genética… Ao mesmo tempo que pode erradicar certos males, pode ser usada para eugenia! Digo e repito: infelizmente, a nossa Ciência anda mais rapidamente do que a nossa Consciência.

 3. Físicos contemporâneos como o britânico Roger Penrose e o brasileiro Mario Novello estão formulando pensamentos bastante diferenciados sobre o universo, como a de um universo cíclico, no caso do primeiro, com explicações muito elegantes, e de um universo eterno, no caso do segundo, inclusive rompendo com paradigmas científicos mais ou menos aceitos, como a Teoria do Big Bang. Como você enxerga essa diversidade de perspectivas e qual é o seu pensamento acerca da origem e do destino do universo?

Olha, eu costumo dizer para os meus alunos escolherem o menor pesadelo… Um Universo que surgiu a partir de NADA; ou um Universo que existe desde SEMPRE. O Nada e o Sempre são conceitos inatingíveis pela mente humana. Em termos descolados, ambos dão “bug no sistema”; “tela azul” total!

Para mim, o pesadelo menor é um Universo surgindo do Nada. Eu entendo as leis da Mecânica Quântica, o Princípio da Incerteza, e consigo racionalizar essa situação. É um pesadelo, mas um pesadelo com o qual eu consigo conviver. O Mário Novello (que foi meu professor no meu doutorado) não admite isso. Para ele, esse é o pior pesadelo possível, e o Universo é eterno. Ou cíclico, como diz o Penrose (no fundo, é a mesma coisa). São mentes muito mais poderosas do que a minha. Mas tem gente graúda do meu lado também.

Eu prefiro pensar em um compromisso entre as duas visões… que o Universo vive fases. E esta fase em que estamos teve um começo bem delimitado, o Big Bang. O que houve antes disso, eu não sei. Pode ser o Nada; pode ter sido uma fase anterior. Mas se foi uma outra fase, pode ser que as nossas leis da Física, que valem aqui e agora, não fossem as mesmas. Então talvez eu (nós!) nunca vá saber o que houve antes. E se não dá pra saber o que houve antes, eu prefiro não me preocupar com isso.

 4.  O movimento anticientífico vem ganhando espaço por todo o mundo, questionando verdades científicas já estabelecidas e consolidadas, como o formato do planeta Terra e o uso de vacinas. Quais são os caminhos para se valorizar e para se investir mais em ciência no Brasil e no mundo?

Vivemos um paradoxo. O mundo moderno se apoia na Ciência, mas a população média está cada vez mais afastada da Ciência. O cara que propaga a ideia da Terra Plana o faz de um celular smartphone que só funciona porque a Mecânica Quântica e a Relatividade são conhecidas e entendidas por uma galera… As mensagens se espalham via satélite, mas são mensagens que NEGAM a existência de satélites em órbita, porque, afinal, a Terra é plana, segundo eles…

É a cultura do imediatismo e das certezas, que foi cultivada no solo fértil da comunicação de massa e do conceito de que cada indivíduo é um PRODUTOR de conteúdo. Não é. Mas se você fala isso, é taxado de elitista. Nem todo mundo sabe das coisas, nem todo mundo tem conteúdo. E está tudo bem! Eu não poderia dar dicas de jardinagem, ou palestrar sobre vacinas, ou ensinar as pessoas a consertar carros. Eu não tenho conteúdo para isso. Mas na cultura do imediatismo e das certezas, todo mundo ACHA que sabe tudo, e que tem que compartilhar.

Imediatismo e certezas são o contrário da Ciência. A Ciência trabalha com dúvidas; as perguntas são infinitamente mais importantes do que as respostas. E a Ciência trabalha com tempo; nada é para a gora, nada é imediato. E justamente por isso a maioria da população simplesmente rejeita a Ciência. Apesar de vivermos todos em um mundo que não é nada sem a Ciência. Da geladeira ao smartphone, do motor à combustão ao avião, da vacina ao gol olímpico, TUDO é Ciência.

 5.  Quais serão os grandes eventos astronômicos de 2021 e para onde devemos olhar para o céu em busca de mais esperança?

Olha, eu não sou muito de hype não, de falar de “grandes eventos astronômicos”. Todos os anos temos eclipses; os do Sol são eventos espetaculares (e eu confesso que nunca presenciei um ao vivo…). Então eu sugiro sempre dar uma busca pelo eclipse do Sol naquele ano (geralmente são dois) e ver onde vai acontecer. Nunca é perto de casa, infelizmente.

As chuvas de meteoro costumam frustrar expectativas, então é outra coisa que eu não gosto de sugerir. Mas, de novo, acontecem sempre, todos os anos.

O que eu SEMPRE vou sugerir é olhar para o céu. Qualquer noite. Ele é sempre bonito e inspirador. Se tiver um planeta, a Lua, uma estrela que se destaque, melhor ainda. Mas olhe para o céu sempre.

A Astronomia é a ciência do confinamento, pois estamos todos (os astrônomos) presos em nosso planeta, olhando tudo “pela janela”. Então nesse momento que estamos todos confinados, sejamos um pouco astrônomos também e vamos aproveitar o mundo pela janela.

 6.  Qual(is) mensagem(ns) você gostaria de deixar para os leitores?

Apenas que continuem leitores. Aprendam sempre, perguntem sempre, duvidem sempre. O mundo precisa disso.

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Alexandre Cherman nasceu na Rua Estrela, no dia do padroeiro da Astronomia. Virou astrônomo. Doutor em Física, autor de seis livros, fã da Marvel, pai da Ísis. Trabalhou no Planetário do Rio por 22 anos, de onde foi diretor de 2017 a 2019. Em 2019 foi eleito Vice-Presidente da Associação Brasileira de Planetários e, também, representante latino americano junto à International Planetarium Society. Hoje trabalha cm Ciência de Dados na NudgeRio e pode ser encontrado no Instagram em @doctorcherman.

Obs.: agradeço a Manoel Pacífico e ao grupo Astronomia & Afins por me ajudarem a formular as perguntas.

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