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Crítica ao artigo “Pressão por mais gastos” publicado no Globo de 1º/11/2014 e apoio ao Judiciário, Juízes e à Ministra Rosa Weber

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É impressionante. Esse é o único tema em que nós opinamos e não vemos alteração mínima de abordagem pelo Jornal O Globo. Até na questão de juros, nós opinamos por outros meios de controle, assim como muitas mídias sociais, e o Globo pondera as hipóteses e as descarta, mas não ignora os apelos dos debates na sociedade e na mídia social. Mas no tema específico gestão do orçamento do Judiciário, que é uma face importante da autonomia e independência do Judiciário como determina a Constituição, o Globo simplesmente ignora as razões e simplesmente publica que é “pressão por mais gastos”, naturalmente colocando a sociedade em situação de desinformação e contrária ao que a Ministra Rosa Weber decidiu. É um absurdo. Explicamos.

A Ministra Rosa Weber decidiu favoravelmente pedido em ação judicial da Procuradoria Geral da República para que o orçamento do Judiciário e do MP fosse enviado sem cortes efetuados pelo Executivo e analisado pelo Congresso na íntegra. O Orçamento do Judiciário prevê aumento para Juízes e servidores do Judiciário, assim como o do Ministério Público Federal. O aumento previsto no orçamento do Judiciário é maior do que o que o Executivo apresenta para o Judiciário e que perde objeto, diante da decisão da Ministra do STF. O aumento do salário dos Ministros do STF aumentará o teto do funcionalismo público e o dos Juízes dos Estados. Esses os fatos.

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Eu li os dois artigos publicados pelo Jornal O Globo, na página 03, de hoje, 1º/11/2014, ou seja, o artigo principal e a coluna editorial denominada “contexto”, em que, em tese (rsrsrs), o editorial explica o que ocorre de forma mais fácil para o leitor. Ambos têm abordagem péssima sobre o tema e não explicam o real problema e dilema que envolve a questão. Somente enfoca o lado de gastos que aumentam e nada mais, como se o Judiciário agisse somente corporativamente e em desconsideração ao orçamento e à responsabilidade fiscal. Uma mentira escabrosa que diminui a democracia brasileira. Não há uma linha sobre as razões de decidir da Ministra Rosa Weber e nem a opinião de um especialista em Direito, como muitas vezes o Globo faz em outras questões. Uma omissão informativa grave e aparentemente intencional, no nosso entender. Talvez um resquício da postura histórica deste veículo a favor de ditaduras de direita… quem sabe? Então nós, do Blog Perspectiva Crítica vamos te explicar a verdade que acontece na hipótese.

A democracia no Brasil, ainda mais sob as regras da Constituição democrática de 1988 é recente e não conta 30 anos. O Judiciário, único Poder da República cujos quadros principais são constituídos exclusivamente por pessoas que são aprovadas através de Concurso Público, sempre foi o mais técnico dos Poderes, tendo grande cisma e sendo extremamente cioso em não extrapolar sua função de julgar, para não invadir a competência seja do Legislativo seja do Executivo. Isso acabou, de certa forma diminuindo o Judiciário ante os outros Poderes e muitos casos que ao Judiciário chegavam exigiam uma pró-atividade maior e um protagonismo maior, vindo a ser entendido nos meios acadêmicos, seminários, que em determinado momento todo esse zelo poderia estar se transformando em omissão do Estado.

Haveria então um “complexo napoleônico” (termo que aqui cunho) que deveria ser revelado, questionado e combatido. O que seria o “complexo napoleônico”? Explico. Napoleão Bonaparte realizou a Revolução Francesa e depôs o Ancien Régime. Impôs novas leis e Códigos, como o Civil, que influenciou toda a sociedade ocidental e foi a base do Código Civil brasileiro de 1916. Entretanto, Napoleão tinha receio de que os Juízes da época, que eram os mesmos do Ancien Régime, interpretassem de forma retrógrada as determinações legais, anulando os objetivos claros de alteração social que as leis determinavam e tanto as leis como a pressão sobre os Juízes indicavam que a função do Juiz era meramente aplicar literalmente a lei, sem que tivesse margens para interpretá-la ativamente. Os juízes seriam agentes conservadores do status quo e mero aplicadores da lei escrita, sem margem para adaptá-la a situações novas. As situações deveriam se encaixar nas fórmulas legais estanques. E o resultado é que os Juízes somente “diziam” a lei, reproduziam o sistema criado, e apequenaram sua função jurisdicional, o que não época ocorreu para garantir a mudança do sistema anterior do Ancien Régime para a República Francesa, extirpando direitos desiguais de nobres e plebeus e instalando o direito igualitário do cidadão francês. Esse fato foi tão forte que até hoje, mesmo com a alteração da postura do Judiciário francês, este Poder ainda apresenta-se, na sociedade francesa, formalmente subordinado ao Poder Executivo. Talvez lá o Executivo corte o orçamento do Judiciário, isso não sabemos.. rsrsrs

O complexo napoleônico de que nosso Judiciário sofria, portanto, consiste em o Judiciário adotar postura passiva diante das demandas sociais e de sua função constitucional, meramente confirmando um sistema, agindo conservadoramente de forma passiva, sem assumir protagonismo social, sem causar ondas na lagoa política, econômica e social. Os juízes davam despachos taquigráficos em processos que somente os bons advogados sabiam a que remetiam e poderiam dar continuidade perfeita ao andamento de processos. Demandas contra o governo muitas vezes eram improcedentes e muitas vezes tinham viés de solução fazendária (favorável ao Estado), desconsiderando a perspectiva e direito dos contribuintes.

Mas as demandas sociais aumentaram e essa postura passiva começou a ser questionada. A falta de melhora social e demandas de natureza humanitária, a partir do abandono da sociedade pelo Executivo, começam a pressionar a consciência conservadora dos Juízes e operadores do Direito que passam a ter de se degladiar com perguntas do seguinte tipo: condeno o Estado a comprar remédios para essa pessoa necessitada e “violo” a independência do Executivo em definir onde gasta o Orçamento, ou nego o pedido e condeno essa pessoa que vem ao Judiciário com uma demanda humanitária a esperar eternamente o fornecimento do medicamento de que precisa e que com certeza não obterá do Executivo? Em dado momento os Juízes decidiram fazer valer o direito à saúde do cidadão e passaram a determinar a compra dos medicamentos, internações cirúrgicas, importação de medicamentos às custas do Estado e, inclusive, meros atendimentos médicos. Passaram a ser protagonistas do Estado, como sempre deveriam ter sido, a bem da realização de direitos que o Executivo sempre negou. Hoje, existe órgão que meramente cumpre as ordens judiciais na seara de entrega de medicamentos (o CADJ estadual é exemplo) e o Executivo terminou por ampliar programas de fornecimento de medicamentos gratuitos pelo SUS. Os juízes mudaram a sociedade.

Esse protagonismo está mais sedimentado hoje e muitos despachos são quase explicativos do que o advogado deve fazer em seguida par resolver sua demanda, em especial nos Juizados Especiais em que as partes não precisam de auxílio de advogados em muitos casos. O diálogo com a sociedade, através de processos, melhorou muito. Muita coisa mudou. Mas ficava o espinho de infrações eternas do Executivo contra servidores e o próprio Judiciário. O Executivo nunca concede a correção monetária anual do salário dos servidores do Executivo e sempre exerceu um controle do orçamento do Judiciário. Isto está certo? Não. Nos dois casos havia violação constitucional. Até hoje, por mais que os advogados de sindicatos de servidores peçam ao STF respeito ao artigo 37, X da CF pelo Executivo e que haja a correção monetária anual, todas as decisões são no sentido passivo napoleônico, tudo para não haver invasão na competência do Executivo. Esperamos que mude..

Entretanto, quanto ao Orçamento do Judiciário ficou evidente que a situação era grave demais para ser ignorada. Como pode o Judiciário e o Ministério Público, que têm autonomia orçamentária garantida pela Constituição, apresentarem seus orçamentos dentro dos valores que lhes são de direito pela Constituição, e o Executivo cortá-los sob argumento de responsabilidade Fiscal? Este o problema. A grande mídia publica que como o “Estado” precisa economizar, o corte do Executivo é responsável, mas ignora que 6% do orçamento da União é do Judiciário. A responsabilidade fiscal que deve haver nessa parcela de 6% cabe ao Judiciário!!! E foi isso que a Ministra Rosa Weber decidiu. Compreenderam? O Executivo não pode economizar sua cota de superávit em cima do orçamento do Judiciário!!!! O dinheiro do Judiciário é do Judiciário para remunerar juízes e servidores do Judiciário, criar varas, informatizar processos, cumprir com seus deveres de distribuir Justiça pelo País. O corte do orçamento do Judiciário pelo Executivo de valores que não excedam o Orçamento do Judiciário é inconstitucional e uma invasão do Executivo na competência e gestão orçamentária do Judiciário que é Poder da República tanto quanto o Executivo.

Entendido isso, e o aumento dos Juízes? A abordagem também é pífia. Juiz é gente. Alguns não acham.. alguns cidadãos acham que juízes são deuses.. mas a verdade é que não são e têm contas a pagar. A abordagem dos jornais explora o baixo salário médio da população para trazer rancor social (e sede de informação e compra de jornais) ao debate. Mas eles não podem ser comparados à média dos cidadãos (ver p.s. abaixo). Devem ser comparados à média de cidadãos dentro de sua faixa social. E quem ganha 29 mil por mês (Ministro do STF) gasta 29 mil e sofre a pressão inflacionária no bolso. Vive em um apartamento mais caro.. seus filhos vão para colégios mais caros… não pode ser comparado com quem ganha cinco mil. A corrosão inflacionária obriga a juízes fazerem conta para ver se mantêm ou descem nível de consumo e qualidade de vida. Aí é o momento em que  vêem que não estão tendo a correção monetária anual prevista na Constituição. A questão é: juízes têm direito à correção monetária anual dos servidores públicos do artigo 37, X da CF? Sim. Então?

O que não pode é tais correções monetárias extrapolarem o Orçamento do Judiciário, pois senão o corte do Executivo seria até mesmo constitucional. E o reflexo sobre o funcionalismo? Gente, reflexo de direito é reflexo. Não se pode não dar o direito porque terá reflexos. Deve se dar o direito e modular reflexos, adaptar-se a reflexos, organizar-se para que direitos não sejam vilipendiados e não tenham tantos reflexos negativos. É o mesmo que você dizer que o Juiz não pode condenar um a receber porque senão o condenado terá de pagar!! Ridículo. E mais, quem disse que aumentando o teto dos servidores todos os servidores devem ter seus salários reajustados ao teto do Judiciário?!?!?! Então, a abordagem do tema pela grande mídia é triste, desinformativa, penaliza regra democrática da autonomia do Judiciário e penaliza a vida dos Juízes e Procuradores da República e dos servidores do Judiciário e do Ministério Público. E isso porque nem é dito par a população que o gasto com servidores públicos só vem diminuindo em proporção ao PIB… tsc, tsc, tsc.. de um limite de gasto de 47,5% do orçamento geral, hoje são gastos 30%. Isso é menos dinheiro gasto que significa menos serviço público entregue também…

Todo apoio do Blog ao cumprimento da Constituição. Todo o apoio do Blog ao direito dos Juízes, Procuradores da República e servidores do Judiciário e do Ministério Público Federal a obterem a correção da inflação para seus salários, consoante o determinado no artigo 37, X da CF/88. Todo apoio à decisão da Ministra Rosa Weber. Para nós, Juízes têm direito à reposição da inflação em seus salários. Não sei se para o leitor isso faz sentido.. rsrsrs

O Globo, nesse momento, não explicando isso, como o fizemos, contribui para o desrespeito à autonomia do Judiciário em face do Executivo, para a queda da qualidade de vida de Juízes e servidores do Judiciário, e para o desrespeito da democracia que pressupõe autonomia e independência do Judiciário.

E nem é dito que ser a previsão de orçamento do Judiciário encaminhada ao Legislativo sem cortes do Executivo não quer dizer que não seja debatida pelos parlamentares que avaliarão a correção dos valores, limites orçamentários do Judiciário e viabilidade da proposta. Não se pode impedir o Judiciário de fazer seu orçamento. O corte do Executivo é um ato possível na época do Império do Brasil e não na época da República.. está na hora de corrigir esse erro que subsiste na nossa República desde 1989.

p.s.: Lembro-me sobre essa questão de média salarial, o debate que tive com o Chefe dos Recursos Humanos da Petrobrás em 2005… eu tinha passado em 11º lugar para o cargo de advogado plano da Petrobrás, no Concurso de 2001. Fiquei, após a avaliação de títulos, em 49º, pois era formado há poucos anos e tinham advogados com mestrado e doutorado concorrendo. Por interpretação restritiva do edital, a Petrobrás disse que eu não satisfazia o edital no quesito experiência. Propus ação judicial, ganhei e em 2005 fui ver como seria meu salário e condições de trabalho para ver se sairia da Justiça Federal. Cheguei lá e o salário proposto era de R$3.500,00 mais ou menos que com mais isso e aquilo chegava a R$5 mil mais ou menos. Menos do que eu ganhava na Justiça Federal. Então reclamei do salário. O gerante me falou: “Mas está acima da média do mercado!! Tem advogado que inicia com R$2 mil!!” Eu falei: “Que média de advogado? Tem advogado que não sabe escrever petição. Qual a média de advogado que passa no concurso da Petrobrás? Eu fiquei em 11º lugar e cai para 49º na etapa de títulos. Tem muito advogado com Mestrado e Doutorado. Esse advogado é concorrido pela Petrobrás e por outros concursos públicos e opções da área privada que pagam R$10 mil reais. É por isso que vocês estão tendo problema com rotatividade grande: porque não valorizam o profissional que têm.” Ele ainda retrucou: “Se aumentar para os advogados deveria aumentar pra todos.” Eu respondi: “O problema não é dos advogados, mas da empresa. Se as opções para os seus advogados concursados existem no mercado privado e público, você deve ter política remuneratória para esse grupo que satisfaça as pretensões da empresa para ter um corpo de advogados compatível com as necessidades da empresa, seja quantitativamente seja qualitativamente.” Não entrei nos quadros até hoje, mas o salário dos advogados aumentou bastante e a contratação deles também,. Bom para a empresa. O que digo é que não se pode comparar os juízes e seus salários com a média da população, com a média dos advogados no mercado, mas com uma cúpula de operadores de direito de alto nível e, assim, com seus salários mais altos. Isso é o justo. O contrário é o exercício de um sofisma que alimenta um preconceito contra pessoas intelectualizadas que ganham salários mais altos do que a média da população. É isso que a grande mídia alimenta contra os servidores públicos intelectualizados. Não são considerados como investimentos sociais que garantem prestação de serviço público especializado e necessário à população, mas são tratados unicamente como gastos públicos. Isso é um absurdo. Depois ela acusa o PT de explorar a perspectiva segregacionista social junto aos mais pobres contra a classe média alta e os ricos e empresários.. risível.

p.a. de 10/11/2014 – Texto revisado e ampliado.

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