Gostaria, neste primeiro artigo do ano, de ressaltar algumas verdades que ficaram pouco claras em 2010 mas que sua publicação é extremamente importante para entendermos algumas coisas, botarmos os pingos nos “is” e podermos pensar melhor sobre o que é nosso interesse real de cidadão e para o melhor do País e de nossas famílias em 2011.
Quebra do sigilo fiscal da filha de Serra – Apesar de a campanha de Serra ter acusado, junto com a grande mídia (Globo, Folha e Estadão), o Governo Federal/campanha da Dilma de perpetrar a quebra de sigilo através de funcionário da Receita Federal, com o interesse de prejudicar a campanha do Serra e beneficiar Dilma, mesmo antes das eleições foi descoberto que Amaury Jr, jornalista do Jornal Estado de Minas que contratou a quebra de sigilo, agiu para beneficiar Aécio contra Serra nas prévias para escolha de candidato à Presidência pelo PSDB. Isto foi matéria de Capa da Carta Capital, com referência ao conteúdo de declaração de Amaury Junior à Polícia Federal em inquérito policial que investiga a quebra de sigilo fiscal. O Globo publicou bastante a primeira versão, mas não me lembro da publicação da versão que se define como verdadeira.
França e Alemanha têm mais funcionários públicos e mais rígidas leis trabalhistas na Europa e se saíram melhor na crise financeira de 2008/2010 – Segundo artigo publicado pelo Globo, em 08/06/2010, pg. 21, a França tem um servidor para cada 12,5 habitantes(relação de 1/12,5) e a Alemanha um para cada 18 habitantes (1/18). Os outros países europeus têm entre 1/13 e 1/18 e a Inglaterra tem relação de 1/29. O fluxo constante dos valores de remuneração de servidores públicos, ao contrário dos trabalhadores privados que perderam empregos ou ficam com justo receio de gastar por medo de serem os próximos desempregados, permitiu, senão impedir uma hecatombe européia, diminuir o desastre econômico. A estabilidade maior do servidor público permite que, em épocas de problemas econômicos privados, sejam um auxílio na manutenção de estabilidade econômica e de empregos. Além disso, leis trabalhistas mais duras e maiores garantias trabalhistas aos empregados na Alemanha e França impediram demissão em massa e resguardaram uma maior normalidade da economia, com mais pessoas recebendo salários, trabalhando, pagando contas e efetuando compras.
Crise financeira européia, desregulamentação de mercados, aumento de dívida pública e risco ao bem-estar social – Apesar de a grande mídia querer propagar a idéia de que os grandes custos da rede de proteção social européia resultaram no recente aumento da dívida pública européia e que finalmente agora terá de ser pago pela sociedade européia com cortes de investimento público, a verdade evidente é que a desregulamentação do mercado de créditos em geral e do mercado de crédito imobiliário em especial (com negociação de títulos subprime) levou à quebra de várias instituições financeiras, de seguros e crédito imobiliário, que tiveram de ser resgatados pelos Estados Europeus para não destroçarem os empregos e a economia européia, aumentando o endividamento público europeu que agora tem que ser pago por cada cidadão europeu. Ou seja, a desregulamentação de mercado em dois anos pôs em risco todo o sistema de bem-estar europeu (welfare state) construído em décadas.
Crise na Irlanda – Acho emblemático este caso. Objeto de publicação (em termos corretos) em coluna da Miriam Leitão, como comentado em artigo próprio neste blog, a Irlanda se esforçou por 20 anos para chegar a uma relação dívida PIB de 25%. Mas a crise de desregulamentação creditícia de 2008, junto com uma imediatamente anterior formação de bolha imobiliária que elevou em dois anos os imóveis irlandeses em 350%, obrigou o resgate de instituições privadas financeiras com dinheiro público, e hoje, ao fim de 2010, a dívida irlandesa teve de chegar a 93% do PIB. Ou seja, foi a poupança pública que salvou a área privada, às custas dos empregos e bem-estar do povo irlandês. Não vi qualquer mídia ressaltar a importância do setor público como salvador da área privada e dos empregos dos cidadãos europeus. Vi o tratamento da irresponsabilidade do mercado como algo surpreendente e sem culpar ninguém da área privada pelas irresponsabilidades, ou o sistema de baixa regulamentação de mercado, e vi tratarem o resgate público como algo natural (e pior, ainda culparam o Estado pelo aumento de endividamento público!!!). Mais uma vez se diminuiu a importância da área pública na administração do bem-estar social e se deformou a informação de que foi a área privada irresponsável que gerou um problema que afeta todos os cidadãos.
Europeus têm mais servidor público por habitante do que o Brasil – Importantíssima a informação publicada pelo Globo de 08/06/2010 de que até a Inglaterra tem mais servidores por habitante do que o Brasil. França tem um servidor por 12,5 habitantes, Alemanha tem um servidor por 18 habitantes e a Inglaterra tem um servidor para cada 29 habitantes. Os Estados Unidos têm relação um pouco menor do que a inglesa (1/22 ou 1/24) e o Brasil, “inchado”, tem um servidor para cada 32 habitantes (1/32), ou seja, bem menos servidores públicos do que quaisquer dos países citados. É um crime insistir no “inchaço da máquina pública” sem dizer onde nem como se dá o pretenso “inchaço” e, ainda mais, com dados reais em sentido oposto, como mostrei em alguns artigos durante o ano de 2010.
Peso de impostos – Tema tratado durante todo o ano de 2010, achei interessante a publicação do Globo de 04/12/2010, pg.3, comparando o peso tributário brasileiro de 34,4% do PIB com o peso do Peru (17,4%), Panamá (16,5%), Equador (16,5%), Honduras (15,9%), EUA (26,9%), Espanha (32%), Chile (18,5%) e Suíça (29,4%). No Chile, senhores, a previdÊncia social foi privatizada. Nos EUA, não há sistema de saúde gratuito para a população como no Brasil e a previdência social é privada (veja o aterrador filme de Michael Moore – “$ICKO – $O$ $AÚDE” e conheça o sistema de saúde americano que Obama quer mudar). Além disso, nos EUA o PIB é 7 vezes maior que o nosso (14 trilhões de dólares lá e 2 trilhões dólares no Brasil), portanto, menor taxa de imposto lá gera mais arrecadação do que aqui. O que há de prestação de serviço público modelo em Honduras, Equador, Peru e Panamá que mereça a comparação? Alguém aqui sabe alguma coisa sobre a Suíça? Posso dizer que seu tamanho é mínimo e não há necessidades de investimento em Exército, Marinha e Aeronáutica como no Brasil,o que é um grande custo a menos. Agora, a Espanha é comparável, pois sistemas de saúde pública, Forças Armadas consideráveis e previdÊncia social pública existem lá. E, por acaso (!!), seu percentual de peso tributário ficou semelhante ao nosso. Interessante, não? Gostaria de ver os percentuais de países com previdência social pública e saúde pública gratuita e Forças Armadas a ser mantida, como Inglaterra, Suécia, Noruega e Dinamarca. Por que não compararam com os países que têm custos semelhantes aos nossos? Porque querem te desinformar. É defesa de tese e não informação para desenvolver o nosso País e defender o seu interesse de cidadão brasileiro. Diminuição de imposto é tema interessante, mas não tem fim em si mesmo. Na Suécia o Imposto de renda é de 65% e no Japão é de 55% e não vemos suecos e japoneses reclamando de impostos. É porque têm serviço público de educação e saúde e previdência social. Então o problema não é peso de impostos, desculpem, é serviço público em quantidade e qualidade suficiente. Exijamos isso e só depois exijamos diminuição de impostos. (ver p.s. 02/03/2012)
Bolha Imobiliária nos Países Emergentes – Proteja o seu dinheiro. Informe-se sobre valores de imóveis antes de comprar. Com a crise financeira de 2008 os fundos internacionais estão investindo em bens reais fora dos países centrais em crise. Trilhões de dólares estão sendo realocados em ouro, títulos de dívidas de países mais estáveis, e mercado imobiliário nos países emergentes. Foi a primiera vez na história que o FMI sugeriu controle de fluxos financeiros internacionais pelo risco de criação de bolhas em mercados de imóveis na China, Índia e Brasil. Veja sites especializados (tenho uma seleção deles no artigo “Bolha Index”). Leia o artigo mais acessado deste blog no ano de 2010: “Bolha Imobiliário no RJ em 2010”. Quando você protege o seu suado dinheiro, você protege o valor do real e a estabilidade da economia.
Bolívia, Equador, Paraguai e Venezuela – A resposta a rompantes populistas para demonstração de independência com nossos vizinhos deve ser só uma: diminuição de investimentos brasileiros nesses países por aumento de risco do investimento. Não é punição. Não é desrespeito à autonomia e autodeterminação deles. Todos têm direito a seguir seu processo de amadurecimento instituicional. A democracia estacionou em nosso continente há poucos anos. Mas cada ato pode gerar mais investimentos e bem-estar a seu povo ou menos investimento e bem-estar social. Não é precio mais do que isso. Depois do que a Bolívia fez com a nossa Petrobrás, desenvolvemos outros meios de produção e importação de gás e hoje o Brasil não tem risco energético nessa área, está mais rico e os bolivianos pedem mais investimentos da Petrobrás, que simplesmente não são feitos. Quem perdeu? A Bolívia e os bolivianos.
Sistema de cotas raciais – Gente, por favor. Hà uma dívida social com os mais pobres. A maior parte dos mais pobres é negra ou parda. Mas o resgate não é com cotas, desculpem. Tenho amigos pardos e negros bem sucedidos e não precisaram disso. Na UFRJ, à minha época, 60% dos alunos eram de famílias de renda entre 3 a cinco salários mínimos. Isso em 1995. Cota diminui o mérito de quem entra para faculdade ou para emprego público. Não sou contra ações afirmativas, mas duas coisas são importantes nesse tema. Isso é derivado do sistema norte-americano. Não é porque são avançados e bonzinhos lá, mas porque a sociedade deles é fragmentada. Veja o filme “Rede Social”. É irmandade de judeu, de afro-descendentes, de ricos e de pobres. Lá faz sentido obrigar a contratação e o acesso, pois a sociedade segrega. Isso não tem nada a ver conosco. Deixem isso para eles. Na minha época você via alguém pobre na faculdade pública e você o admirava pelo mérito de passar para a faculdade por conta da concorrência. Agora, corre-se o risco de pardos e negros, mesmo ricos, vindo de faculdades públicas passarem pela situação de dúvida entre se ingressaram por mérito ou por conta da cota. E o mesmo se diga em relação a cargo de diplomata no Itamaraty. O sistema de cotas segrega. O inteligente não é cotas, mas investimento em educação pública básica e média de alto nível com professores bem pagos. Isso sim é resgate social. Ações afirmativas devem ficar restritas a 5 ou 10% no máximo, seguindo opinião de meu professor de Direito Constitucional Luis Roberto Barroso. E deve ser temporário, até a educação atingir patamar de qualidade e quantidade suficiente para desfazer por si só essas diferenças. Ingresso por cotas não garante retorno social de profissionais e alunos de melhor qualidade, nem enaltece o mérito de quem entra em faculdade ou emprego público por sistma de cotas. E você ainda cria uma minoria sem proteção nenhuma: o branco pobre. Pensem nisso. Isso é sério.
Felicidades a todos e seguimos juntos mais um ano de críticas e debates sobre temas que realmente nos interessam.
Abraços
Mário César
p.s.: o texto foi revisado e complementado em 03/01/2011. Infelizmente não gozo de um grupo de revisores, pessoal, portanto,como sou detalhista, todos os artigos sofrem revisão de texto e informação por uns três dias após a publicação. Só não aviso sobre alteração se não houver acesso ao texto neste período. Se já houver acesso por alguém, publico a errata através de “p.s.” ou complemento informação através de comentário ao artigo. Neste caso, fiz correção após o acesso de três pessoas, portanto, publicado o “p.s.”.
p.s. de 02/03/2012 – achei a carga tributária de Inglaterra, Suécia e Dinamarca. Todas são maiores do que a brasileira. dinamarca é de 47%! Veja o artigo deste Blog de fevereiro de 2012 “Carga Tributária Brasil x OCDE”. Veja em http://perspectivakritica.blogspot.com/2012/02/carga-tributaria-brasil-x-ocde-brasil.html