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Ação Global e Amigos da Escola: até onde o voluntariado é bom e a partir de quando é ruim para a sociedade?

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Há pouco tempo, nesta última semana de maio (entre 09 e 13 de maio de 2011), houve a publicação de artigo com o título “Voluntariado no Brasil”, no Jornal do Commercio. Ressaltou todos os lados positivos para a sociedade e para os participantes em movimentos de voluntariado. Aumento de criatividade, aumento de sensação de civismo e de felicidade por realizar algo para o próximo. Problemas sociais amenizados pela participação da prórpia sociedade, através da intervenção direta da própria sociedade, ou seja, problemas sociais e vidas concretas melhoradas pela minha, pela sua, pelas nossas mãos diretamente. Alcançar diretamente aqueles que a burocracia do Estado não consegue e resolver seus problemas realmente, efetivamente e.. melhor,..pessoalmente. Difícil pensar em algo tão gratificante, útil e realizador para o próximo, para você e para a sociedade.

Mas, como sempre, o erro está no excesso. Mas pode haver excesso de doação de meu tempo? Mas ele não é meu? E pode haver excesso em cuidar dos outros? Pode haver excesso em alcançar aqueles que o Estado não alcança? Em ser útil à sociedade?

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Doar nunca será excesso,… para quem faz a doação, individualmente considerada. Entretanto devemos entender que não se trata só de você que participa do movimento de voluntariado. Todas as atividades de voluntariado que partem diretamente do indivíduo sempre ajudam a sociedade, mas hoje está crescendo o número de movimentos de voluntariado instituídos por empresas e ONGs, as quais, diferentemtne de você, têm interesses próprios.

Vou direto ao ponto. O voluntariado somente é útil de verdade à sociedade quando ele não se apresenta como substituto do Estado. O voluntariado útil e honesto contigo e com a sociedade não pretende substituir o Estado definitivamente e totalmente (ou mesmo parcialmente) em uma área de prestação de serviço público. Isto porque é impossível que de um voluntário, por mais capacitado e mais entusiasmado que ele esteja, seja exigido horário por anos a fio, além de que não se lhe pode exigir metas ou cuidar da capacitação de um voluntário que hoje pode estar ajudando e amanhã talvez não esteja mais. Prestação de serviço público perene é para servidores públicos de carreira. O voluntariado deve ajudar, deve trazer o plus e não substituir a prestação de serviço do Estado.

Vamos aos casos concretos. Não pude ver qualquer equívoco no “Ação Global”. O movimento “Ação Global” me pareceu extremamente útil com todas as qualidades elencadas pela autora do artigo que mencionei acima, publicado no Jornal do Commercio. Não há como aquelas atuações individuais substituírem atuação perene do Estado. Ótimo. É claro que duvido que a Rede Globo de alguma forma não abata do imposto de renda o que gasta com esta atividade, mas mesmo isso é útil. Primeiro porque a previsão de abatimento de imposto de renda existe para incentivar a sociedade a investir na própria sociedade e segundo porque, pelo menos esse dinheiro se transforma em prestação real e direta de algum serviço social. Então, tudo bem por aqui.

Entretanto, o “Amigos da Escola” me deixa algumas dúvidas. Como estou envolvido no Movimento pela Educação Inlusiva Legal e Responsável, estou tendo contato com a prestação de serviço público de educação e estou surpreso com os limites que estão, na prática, chegando a atingir na prestação de serviço voluntário a este título. Parece que voluntários podem chegar a dar aulas e ouvi sobre casos em que imaginam voluntários tomando conta de crianças com deficiência. Pessoal, isto não pode acontecer.

Observem, enquanto o “Amigos da Escola” se destinar a realizar brincadeiras lúdicas, com incentivo à coordenação motora e aquisição de conhecimentos gerais ou amadurecimento cívico e psicopedagógico, tudo bem. Se o voluntariado quiser realizar atividades extra-classe, com visitas a museu, com teatro, com laboratório, com supervisão de profissional da escola pública, tudo bem. Mas temos de estar atentos sobre os excessos e a tentativa de legitimação da substituição da organização estatal para a prestação de serviço público perene pela organização social e voluntária, o que não pode acontecer sob pena de evidente perda de qualidade de prestaçao de serviço público, frustração de determinações constitucionais sobre ingresso em carreira pública, frustração de determinações constitucionais e legais sobre indelegabilidade de atividades-fim do Estado e desestímulo do investimento em salário e carreira pública de professores.

Eu entendo que em determinada escola, por falta de salário atraente, por falta de estrutura, professores não sejam contratados, pessoas não se interessem pela carreira de professor e não participem de concurso público para preencher as vagas. E nesses casos eu entendo que, estando ali, os voluntários acabem assumindo a educação destas crianças abandonadas intelectualmente por sua Prefeitura e Governo Estadual e Federal. Mas isso deve ser entendido em seus exatos termos: isso é errado.

A solução para falta de prestação devida de serviço público de educação não está no voluntariado, óbvio. Está em tomarmos consciência da realidade dos investimentos em estrutura e na carreira de professores públicos que ganham salários miseráveis para realizar uma função tão nobre de educar nossos filhos.

É muito importante você entender que há movimento internacional por substituição de prestação de serviços públicos pelo serviço privado, seja por terceirização, seja por privatização, seja por Organizações Sociais ou ONGs. Não quer dizer que todos esses movimentos criativos e mecanismos e engenhos de produção não podem ser utilizados para ampliar a prestação de serviços públicos, prestar serviços sociais adicionais aos prestados pelo Estado e que não devam ser incentivados pelo Estado. Mas temos de estar atentos para não embarcarmos em uma bandeira que não é nossa e que não resolve a falta de quantidade ou qualidade de prestação de serviço público em determinada área (educação e saúde principalmente).

Seja voluntário. Participe de todo e qualquer movimento voluntário que exista. Crie até seu próprio serviço voluntário. Mas fique atento para não ser usado em uma cruzada para a substituição do serviço público por serviço privado, de que hoje você participa, mas amanhã pode não estar participando. Crianças e doentes precisam de educação e saúde de forma perene com profissionias presentes, gabaritados, com salário digno, por anos a fio para a realização do bem público.

p.s.: Voluntariado é muito útil e nos faz sentir bem. Mas ninguém vive de voluntariado e por isso não podemos admitir a substituição de servidores públicos profissionais e capacitados por voluntários em qualquer área e por mais capacitado que seja o voluntário, simplesmente porque ele não pode prestar indefinidademnete o serviço, nem responde por metas ou horário. Vejam esse exemplo: meu irmão ajudou por uns cinco dias na Região Serrana após o desatre com as chuvas do verão de 2011. Por ser dublê e já ter dado aula de resgate em selva para o Exercito Brasileiro, integrou uma equipe de aguerridos que chamo de “malucos” e ficaram indo de pickup no meio da lama e de encostas para tentar salvar pessoas e resgatar corpos. Quase morreram algumas vezes, o carro quase caiu em uma encosta… mas conseguiram realizar o trabalho dentro de suas limitações (muito menores do que as minhas por exemplo) e tiveram de voltar a trabalhar. Ficaram muito felizes com a contribuição que puderam dar. Para mim, ele e seus amigos são heróis reais. Mas as pessoas que não puderam ser ajudadas por eles continuavam lá, tendo de ser ajudadas. O Exército, os Bombeiros, a Defesa Civil e a Polícia estavam lá dia e noite para isso. Entenderam a diferença?

p.s. 17/05/2011: Vejam o que descobri em total consonância com o teor do meu artigo e ainda com o conteúdo. Acesse: http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT05-3709–Int.pdf

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