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A falácia do novo e pungente contingente de microempresários no Brasil e o fim do emprego

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Ouvimos a todo momento que o empresariado salvará o país. O empresariado é a fonte de emprego e renda. O empresariado contaria com milhões de microempresários. Esse seria o sangue novo econômico. E esses empresários teriam o mesmo interesse na “flexibilização das leis trabalhistas e previdenciárias” do que o grande empresário. Isto está correto?

Senhores e senhoras, somos a favor do empreendedorismo. Totalmente a favor. Mas o que está acontecendo, na verdade, é que o mercado e a grande mídia (conjunto de grandes empresas de comunicação capazes de criar consenso na sociedade, segundo conceito destilado por Noam Choamsky) estão criando, através da falácia do “boom no novo empresariado”, um argumento falacioso para que o contingente desempregado e pejotizado, ambos, sabemos, reflexo do abuso do direito do empregador em empregar fugindo às obrigações trabalhistas e previdenciárias ou da crise no emprego, se identifique com as demandas dos grandes grupos empresariais que veem direitos trabalhistas e previdenciários como mero custo.

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É importante entender que  as empresas não têm compromisso com a criação de um país. Elas têm preocupação com seus custos e lucros. Só. O que é justo. Mas quando se arvoram argumentos empresariais, que têm foco mecânico e óbvio em diminuição de seus custos e aumento de seus lucros, em arautos da boa política trabalhista, previdenciária e social, o risco de superlegitimação de seus argumentos e sugestões criarem um país autômato, internacionalista e mercadológico, desprezando a criação e desenvolvimento de um país com respeito à cidadania e ao senso de identidade nacional, se apresenta forte e prejudicial à sociedade.

É importante dizer que o que o mercado e a grande mídia chamam de grupo de novos empreendedores são, na verdade, pessoas que perderam seus empregos, muitas vezes, e que estão tentando se soerguer criando alguma atividade comercial, incluindo venda de produtos alimentícios e pequenos artesanatos e prestações de serviços simples.

Muitos dos novos empreendedores também são pessoas que eram empregados de grandes empresas e foram obrigados a se pejotizarem, a se transformarem em empresa, para que aquelas empresas empregadoras não pagassem direitos trabalhistas e previdenciários. Isso é honesto com a sociedade? Não.

Depois de o mercado tentar burlar os direitos trabalhistas e previdenciários de seus empregados, retirando-lhes os direitos de licenças maternidade, paternidade, férias, décimo-terceiro, licenças-médicas, tudo aquilo que está expresso em tratados internacionais como direito do trabalhador,  transformando-os em PESSOA JURÍDICA (pejotizados); depois de exigirem juros estratosféricos para “controle da inflação”, acabando com empregos e crescimento econômico desnecessariamente e levá-los ao subemprego; depois de o governo conseguir trabalhar um modelo de previdência social que inclui esses subempregados como microempreendedores e lhes concede enquadramento previdenciário para poderem ter aposentadoria quando forem idosos; a mídia e o mercado os chamam de novos empreendedores e dizem que têm mesmos interesses que grandes empresas em Reforma de Direitos Trabalhistas e Reforma de Direitos Previdenciários, que na verdade são a exclusão de tais direitos.

A ilusão é uma arma grave do mercado e da grande mídia contra o cidadão. E a ilusão tem o condão de se tornar realidade quando a sociedade deixa de questionar os novos conceitos pelos quais estão sendo reconhecidos e que estão em voga. Só que tais conceitos só são reconhecidos e estarão em voga a partir da aceitação deles pela própria sociedade a que se aplicam.

Sentir-se reconhecido por ser “novo empresário” pode ser uma tentação grande demais (compensação psicológica) para o subempregado ao invés de encarar a realidade de que não tem emprego e está em subemprego. Mas a verdade é que a pessoa está com relação laboral precarizada e sem garantias trabalhistas e previdenciárias.

Esse contingente admitir o fim de direitos trabalhistas e previdenciários é o fim da picada. É admitir o fim do emprego. E é destruir contra si todo o arcabouço de garantias trabalhistas e previdenciárias criadas em décadas a seu favor. E isso em nada criará emprego por si só.

Emprego é criado com crescimento econômico. Durante o ano de 2010 e todos os anos de crescimento econômico desde 2002, o crescimento econômico ocorreu junto com o crescimento de emprego e com todos os direitos trabalhistas e previdenciários que hoje são revogados.

Não se iludam. Está se refundando o sistema econômico, trabalhista e previdenciário, sob argumento mentiroso. A crise está passando independente de reformas. As notícias econômicas sérias são de melhora macroeconômica em diversos setores e elementos econômicos se reeestruturando a partir de melhora da economia mundial, recordes na exportação brasileira, recordes da balança comercial não vistos desde o início dos registros modernos há mais de vinte anos, resultando em volta de emprego e crescimento econômico este ano de 2017.

Só que todos estão sendo ludibriados de que a crise é o fim do mundo. Uma crise com índices muito, mas muito menores do que o que ocorreu aos europeus e americanos entre 2008 e 2013. Com a manutenção de notícias predominantemente pessimistas econômicas e orçamentárias, muitas delas parciais e muitas enviesadas, cria-se e mantém-se o clima para que todos os direitos trabalhistas e previdenciários possíveis sejam destruídos.

As pessoas, impulsionadas sob o título de novos empreendedores (sejam vendedores de cuscus, camelôs, produtores domésticos de comidas para vender em quentinhas, sejam os pejotizados, casta especial neste grupo) deixam-se ludibriar pela ilusão de que destruir esses direitos as ajudará, pois, afinal, são empreendedores e devem ter os mesmos valores que empresários e grandes empresários. Mas não será isso o que ocorrerá.

Sem direitos trabalhistas, o trabalhador não mantém qualidade de vida e quando o crescimento econômico vier, não participará tanto do crescimento econômico para o qual colabora. Nunca poderá concorrer com grandes cadeias produtoras do mesmo meio ou atividade que exerce, mas a venda de alguma parcela de sua microprodução lhe dá um valor mínimo que o faz iludir-se com seu sucesso e desprezar os valores trabalhistas e previdenciários, até, claro, tornar-se ele mesmo um idoso.

Quando a idade chegar, poderá ter o vislumbre de que não gozou de férias, não gozou de feriados, não gozou de licença paternidade e maternidade e não pode estar tão próximo da família o quanto queria. Também não teve remuneração por horas extras trabalhadas.

Também poderá ver, no caso de ser pejotizado, que o fim dos direitos trabalhistas fez com que o seu “empregador” não mais admita suas férias e outras “benesses” da época em que direitos trabalhistas existiam. Por quê? Porque existirem os direitos trabalhistas o fazia, ao empresário/empregador, temer, no caso de não conceder as benesses, uma posterior ação trabalhista. Mas a inexistência de direitos a qualquer um não subsidiará mais esse receio e, então, nada mais será concedido ao pejotizado. Férias, descanso, tempo com o filho que acabou de nascer, viagem de lua-de-mel, tempo para se reconstituir da perda dos pais e filhos.. tudo isso sumirá.

No novo sistema que tentam formatar, todos ganham por hora trabalhada. Trabalhou, ganhou. Não trabalhou, não ganhou. Isso não considera que quando o garçon se disponibilizou a trabalhar no restaurante ele cedeu seu tempo ao empregador que aufere lucro pelo risco do negócio. Se há clientes, mantenho o empregado. Se não há, mando o empregado para casa e ele nada ganha. A renda do trabalhador ficará incerta, em benefício de um lucro mais certo e menos direitos trabalhistas e qualidade de vida para o trabalhador.

Mas quem quer saber de garçon? Mas não se trata só de garçon. Como dissemos, todos os pejotizados atuais e os subempregados serão prejudicados. Como dizer que a pessoa microempreendedora é empresário se agradecem a inclusão no rol de passíveis de obter aposentadoria do INSS? São trabalhadores sem emprego que se viram honestamente e arduamente.

Mas o trabalho da mídia e do mercado é que esses trabalhadores não se vejam como trabalhadores. Eles são “autossuficientes”. Eles são microempreendedores e pejotizados. Eles são “empresários” e merecem e desejam o respeito que todo empresário autônomo deve ter. Rsrs.

É claro que o texto pode ser desvirtuado e mal interpretado. E assim o será por muitos. Mas quem pode fazer exame sério de consciência e de realidade pode reconhecer o risco a que estamos submetidos neste tempo em que a chantagem social ocorre em cima de notícias repetitivas somente pelo lado pessimista econômico, para criar clima para a aprovação do maior crime contra direitos trabalhistas e previdenciários, contra o emprego e a qualidade de vida do cidadão brasileiro que a história de nosso país já viu.

A situação está aterradora.. não economicamente, que está se reconstituindo depois de meros dois anos de crise, mas pelo lado dos direitos do cidadão e em função do potencial de abalo à identidade nacional e ao sentimento de cidadania e civilidade que tais operações têm contra o Brasil, sob a insígnia de modernização trabalhista, previdenciária, a criação dos “novos empreendedores” e a inserção do Brasil em uma nova era moderna e internacionalista (puro neoliberalismo sem ganhos para o trabalhador privado ou público). Triste.

E nessa mesma onda vai o fim do emprego e do Estado. É importante acabar com a estabilidade do serviço público e com o Estado porque tais cargos públicos são concorrência com a área privada pela mão-de-obra brasileira. E concorrência só é boa se aplicável à venda de produtos, desde que o produto não seja a mão-de-obra que deve ser paga e contratada.

O cidadão brasileiro, sem se aperceber, está sob o risco de criar e viver sob um protetorado privado inexistente em qualquer país no mundo e abominado até por Adam Smith, quando se referiu à Bengala como um exemplo de que a administração pública é total insucesso quando dirigida por empreendimento privado e consoante suas diretrizes. A pura busca do lucro é incompatível com a realização do interesse público.

Cuidado, cidadão, para não entender o que você é e de que lado você está na atual guerra do mercado contra direitos trabalhistas e previdenciários. O principal prejudicado serão 99% de todos os cidadãos brasileiros, trabalhadores da área privada e pública, incluindo com certeza você, seus filhos, seus amigos e familiares. Pense bem sobre isso.

Defender o que parece imediatamente nos afetar é fácil. É a primeira coisa que uma criança faz assim que se depara com outra. Mas entender como direitos alheios afetam a dinâmica social a meu favor ou contra mim é o nível adulto dessa análise. Neste nível você tem duas escolhas: ser papagaio de pirata e repetir o que a grande mídia e o mercado dita, mesmo que contrarie seus interesses mediatos, mas sob aplauso da maioria, ou criticar e entender realmente os reflexos do ataques a direitos que aparentemente são alheios a você mas que têm reflexos graves sobre a sua situação a médio prazo.

Torcemos pelo seu questionamento sério interno sobre esta situação grave.

p.s. de 14/08/2017 – Texto revisado e ampliado. 

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