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A decisão do STF sobre a fosfoetanolamina e a saga da pílula azul da USP

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O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, no dia 19/05/2016, suspender liminarmente os efeitos da Lei 13.269/2016, que permitia o uso da substância fosfoetanolamina para tratamento de câncer (neoplasia maligna), sob determinadas condições, em sede de ação declaratória de inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira (AMB).

Nesta decisão o relator, Ministro Marco Aurélio Mello, pondera os riscos para a saúde da liberação de fármaco diretamente pelo Parlamento sem a autorização da autoridade sanitária, a Anvisa, que baseia tais autorizações em conclusões sobre a eficácia dos medicamentos após procedimentos investigativos clínicos determinados e consoante padrões internacionais. Concordaram com ele os Ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski, ou seja, no total 6 Ministros adotaram essa posição. Quatro Ministros, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Rosa Weber e Dias Toffoli, sustentaram que a substância deveria ser liberada parcialmente, ou seja, somente para os pacientes terminais “como forma de dar alguma esperança para pessoas já desenganadas”, como está publicado no artigo “STF proíbe a ‘pílula do câncer’ – Corte suspende lei que autorizava distribuição e uso da substância”, no Jornal O Globo, edição de 20/05/2016, na página 27. O Ministro Celso de Mello não participou da votação porque estava ausente.

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Agora veja o que diz a nota do Ministério da Saúde sobre o tema da suspensão da lei pelo STF, também publicada no artigo do Jornal O Globo: “A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a substância fosfoetanolamina ratifica parecer técnico do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). É importante informar que não há, até o momento, nenhum pedido de fabricante para registro da substância na Anvisa. Enquanto não houver essa solicitação, não há previsão de manifestação da agência quanto a estudos sobre a segurança e eficácia da substância.”

Vejam isso “Enquanto não houver essa solicitação, não há previsão de manifestação da agência quanto a estudos sobre a segurança e eficácia da substância”, diz a nota do Ministério da Saúde. Primeiramente, não afasta a impressão de que se a pílula fosse ótima e baratíssima, ceifando bilhões de dólares em tratamento convencional fornecido pelas farmacêuticas, talvez as indústrias farmacêuticas não pedissem tal registro e continuassem a ganhar bilhões de dólares com os tratamentos e medicamentos atuais. Mas um grande amigo meu, da área médica, respeitado Médico Marcelo Andrei, informou, á época da discussão, que se ela fosse boa mesmo provavelmente alguém iria querer fabricar, pois assim é o mercado farmacêutico e talvez o lucro fosse fantástico, poi s pílula seria vendida no mundo todo.

O Blog é a favor da posição defendida por quatro Ministros do STF, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Rosa Weber e Edson Fachin, porque ainda não terminaram os estudos sobre a eficácia e toxicidade da fosfoetanolamina, que começaram no fim de 2015 e durarão 3 anos, ao custo de 10 milhões de reais, disponibilizados pelo Governo Federal em resposta à demanda social da pílula com repercussão em nível nacional. E, ainda, apoiamos tal posição a favor do uso por pessoas em estado terminal, porque quem está em fase terminal de câncer e desenganado pelos médicos tem o direito de acessar todos os meios terapêuticos de que tenha disponibilidade, inclusive a fosfoetanolamina, já que tem coisa muito pior sendo ingerida por milhões de brasileiros todos os dias e dever o cidadão ter autonomia em relação ao que pretende fazer em seus declarados últimos dias de vida. Retirar uma possibilidade terapêutica não afastada ainda definitivamente é uma tortura psicológica que se soma ao sofrimento do corpo em fase terminal de câncer e este alento a pessoas e fase terminal de câncer é que foi retirado com a posição dominante da Corte Suprema.

A decisão era difícil. O dilema é grande. O conservadorismo levaria a esta postura de proibição, mas esta decisão só veio depois dos primeiros relatórios do grupo de trabalho montado pelo Governo Federal para analisar a eficácia da substância, os quais apontaram para a ineficácia do produto. Foi desta forma que em 19/03/2016 noticiou o site UOL NOTÍCIAS no endereço http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2016/03/19/relatorios-de-ministerio-dizem-que-pilula-da-usp-nao-e-eficaz-contra-cancer.htm

Veja os trechos selecionados:

“Os cinco primeiros relatórios das pesquisas financiadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para avaliar a segurança e eficácia da fosfoetanolamina indicam que a molécula não age contra o câncer. Além disso, nas análises, as “pílulas da USP”, fabricadas por Salvador Claro Neto da USP (Universidade de São Paulo) São Carlos, possuem composição irregular, com um máximo de 32,2% de fosfoetanolamina. No total, o MCTI vai investir, em três anos, R$ 10 milhões nesses estudos.

Entre os vários sais que compunham as cápsulas analisadas, apenas a monoetanolamina apresentou alguma atividade citotóxica e antiproliferativa (ou seja, tóxica, que podem destruir as células cancerosas ou que evitasse que sua proliferação) sobre células humanas de carcinoma de pâncreas e melanoma in vitro estudadas. Mas mesmo assim, sua eficácia é menor do que a de quimioterápicos comuns. Essa pode ser a razão de a pílula apresentar uma mínima ação contra o câncer. Entretanto, a monoetanolamina já foi apontada como tóxica quando ingerida em grande escala em estudos anteriores.

“Estudo encomendado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia sobre a fosfoetanolamina em dois tipos de células tumorais e usando três métodos diferentes comprova que o composto não tem efeito nenhum, nem mesmo em concentrações milhares de vezes maiores do que as que seriam possíveis se usar clinicamente”, disse a pesquisadora do Instituto de Química da USP, Alicia Kowaltowski.”

É compreensível, portanto, a postura mais conservadora do Supremo Tribunal Federal. Mas toda a movimentação da sociedade em torno da pílula azul está incorreta por causa dessa decisão? Não. A sociedade tem que agir, e agiu nesse caso, de acordo com os fatos que se anunciam a ela. Isso é lutar pelos seus direitos. Ficar somente no aguardo de que o “livre mercado farmacêutico vai atuar a bem de todos” é falacioso como se pode ver da história do componente mais importante para o combate à Aids, o AZT.

No caso do AZT, quando foi descoberto, havia outros tratamentos já tradicionais para a AIDS nos EUA e as indústrias não queriam que esse novo medicamento entrasse no mercado, pois roubariam seu faturamento e seu status quo, ou seja, criaria ondas em uma lagoa de lucros nababescos custeados pelos doentes americanos, suas famílias e pelo governo americano que tinha de aplicar tais medicamentos menos eficientes que estavam disponíveis.

No entanto, tudo mudou quando um drogado que contraiu a doença teve acesso a uma substância não produzida regularmente mas testada em pesquisas e que tinha efeito de controle da doença. Para ele sustentar seu tratamento, criou um clube de consumidores da substância e quando esta começou a ganhar repercussão, as indústrias patrocinaram o cerco policial ao drogado, o qual iniciou uma batalha judicial para garantir o uso do medicamento, ganhando no final, liberando o uso do AZT para todos os doentes de Aids dos EUA. Essa é a nossa sinopse do filme “Clube de Compras Dallas” (http://www.adorocinema.com/filmes/filme-137097/)

Então, a movimentação da sociedade sempre está certa. Depois, com o tempo, pode-se chegar à conclusão de se o teor do movimento se sustenta ou não. E aí deve a sociedade se conscientizar e dar continuidade ao movimento ou não. E, à época do início dessa batalha que o Blog Perspectiva Crítica apoiou, e mesmo hoje, não há o afastamento definitivo da legitimidade da busca e entendimento sobre a eficácia ou não do medicamento. Há, hoje, um grupo de primeiros relatórios com conclusões de ineficácia, e isso realmente é ruim, mas os estudos devem continuar para que se verifique e afirme definitivamente que essa substância não pode ser usada em tratamento de câncer ou consumida; até porque, nos EUA, ela é vendida em lojas de suplementos, então, mal grave não faz, aparentemente (não comparamos a concentração da fosfoetanolamina nos suplementos americanos com a concentração dada para efeitos terapêuticos contra o câncer).

E o que legitimou toda essa busca do sociedade? Fatos que vieram a seu conhecimento: (a) artigos brasileiros sobre a substância tiveram publicação internacional; (b) o Instituto Butantan testou o medicamento, obtendo efeito de cura em três tipos de células cancerosas in vitro; (c) ratos foram curados; (d) a senhora Telma teve melhoras clínicas comprovadas pela Revista Exame.com, dentre outras histórias, tias como o caso do senhor preso por fornecer de graça a substância em Santa Catarina, porque inicialmente o obteve para sua mãe que melhorou e resgatou seu cotidiano com três semanas de uso. Um advogado teve melhora, após o uso durante três meses de fosfoetalonamina, em dois de três manifestações cancerosas em um órgão. Tudo registrado por escrito ou em vídeo.

Além disso, os estudos eram da USP, de um professor renomado, que produzia a substância há anos na faculdade (se era inepta a pesquisa ou sem resultados, porque a USP deu continuidade a ela por anos a fio?) e que pediu de joelhos (isso está gravado em reportagem à época) para que o governo iniciasse os estudos independentemente do patrocínio de indústrias farmacêuticas, dando clara e resoluta demonstração de crença nos efeitos da substância. Como ignorar isso?!?!

Sendo assim, estava certa a sociedade em não se omitir diante de tantas evidências que exigiam uma prática e defesa, tanto do acesso a pessoas em fase terminal de câncer à substância, como o início, à revelia da indústria farmacêutica, dos testes. E assim o Governo foi pressionado e criou o grupo de trabalho, como se pode notar do teor da página do Ministério da Ciência, Inovação de Tecnologia no endereço http://www.mcti.gov.br/fosfoetanolamina

Reproduzimos seu conteúdo abaixo:

“Diante da repercussão da distribuição de fosfoetanolamina para fins terapêuticos no tratamento do câncer pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério da Saúde, de forma articulada, estão promovendo a realização de estudos para verificar a segurança e eficácia da fosfoetalonamina em instituições nacionais de excelência e com reconhecida experiência na pesquisa e desenvolvimento de fármacos.

A fosfoetanolamina é uma substância que foi isolada pela primeira em 1936 por Edgar Laurence Outhouse do Departmento de Pesquisas Médicas do Instituto Banting da Universidade de Toronto, Canadá. No início dos anos 90 esta substância começou a ser estudada por Gilberto Orivaldo Chierice que integrava o Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo. A partir de resultados preliminares animadores em alguns modelos experimentais em linhagens celulares de câncer e em animais teve início o uso em alguns pacientes portadores de câncer na região da cidade de São Carlos-SP.”

Após os primeiros relatórios desfavoráveis, houve a promulgação da Lei 13.269/2016. Populismo, talvez. Mas não sem algum fundamento, como demonstra todo esse histórico que nós trouxemos a você. Os estudos não acabaram, apesar de admitirmos que os primeiros testes com esses resultados não são encorajadores. Mas o melhor de tudo foi ocorrer o movimento autônomo social e isso ter tido repercussão em movimentar a máquina pública em prol do interesse do cidadão. O apoderamento pela sociedade do orçamento público para usá-lo consoante seus interesses (e não somente de bancos e grandes empresas nacionais e multinacionais) é algo que deve ser estimulado, entendido e praticado para todos os setores de governo (educação, saúde, segurança, higidez de relações de consumo, higidez das prestações de serviços públicos, distribuição de justiça, etc..). No caso, a sociedade obrigou o Estado a gastar 10 milhões com pesquisas sobre a substância.

Mesmo que o fim da história seja o de que a fosfoetanolamina é ineficaz e se deva parar seu uso para efeito de tratamento de câncer, acreditamos que a só movimentação social foi um ganho de cidadania e de noção de cidadania, com o que o Blog Perspectiva Crítica sempre colaborará.

Mas os estudos ainda têm mais de dois anos pela frente. Acompanharemos essa história e publicaremos sua conclusão. E sempre fica a questão: o que tem um paciente a perder se está em fase terminal de câncer e desenganado pelos médicos? Convém retirar-lhe hipóteses de tratamento não convencionais como o da pílula azul em questão, caso esse seja seu desejo e o deixe mais tranquilo? Vejam, se for comprovada a ineficácia e a toxicidade agressiva à saúde, podemos concordar em negar a substância… mas antes disso, não.

Grande abraço a todos.

p.s.: Dedico este artigo à Amanda Barreiro, que ajudou meu pai em momento de tratamento de câncer e à Denise Fireman, grande amiga e Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, que acompanhou o debate que vemos aqui e foi a primeira pessoa a me mandar a imagem da nova Lei n. 13.269/2016. Eu e o Blog sem as informações e apoio dos amigos não somos nada e nunca teríamos a mesma qualidade que apresentamos nos artigos que publicamos. Em tempo, meu pai está curado, através dos meios convencionais, continuando o acompanhamento de dois anos após o desaparecimento dos indícios de câncer. p.s. 2: Texto revisado a ampliado.

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