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Que Brazil é esse? — parte 4

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“Vocês [brasileiros] sabem mesmo quem eu sou?”

Justin Bieber,
cantor canadense.

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O astro já não mais adolescente revela uma das piores imagens que se pode ter do Brasil. É a visão do estrangeiro que considera o Brasil seu quintal. Não é o mesmo que a visão brincalhona de Os Simpsons ou a visão machista de Arnold Schwarzenegger (ver respectivas seções), lembrando que, em ambos os casos, era o Brasil que estava sendo promovido no exterior. Justin Bieber veio ao Brasil para divulgar seus shows e sua atuação no país traz à tona a herança colonial e imperialista que por tantos séculos perdurou por aqui.

Segundo o noticiário da época, Bieber chegou ao Brasil em 1º de novembro de 2013. Logo na primeira noite foi para a Centaurus, uma “casa de massagem” em Ipanema (no Rio de Janeiro), de onde saiu com duas mulheres, mas foi proibido de entrar no hotel Copacabana Palace. Diante disso, o cantor recebeu de sua produção uma casa alugada no Joá para fazer o que bem quisesse. E fez: selecionou garotas em uma boate e levou-as à casa alugada, para onde também foram levadas prostitutas das ruas de Copacabana, sendo realizadas várias festinhas particulares com bebida e maconha liberada. Depois, através de sua produção, ele teria pedido autorização da prefeitura para grafitar um muro no Morro do Vidigal, mas foi visto pichando outro muro em São Conrado, motivo pelo qual ele teria sido autuado pela polícia, que, no entanto, não o encontrou em sua casa alugada. Sua resposta à polícia veio pelo aplicativo Instagram, em 6 de novembro, com a foto de uma frase em inglês pichada em um muro: “Vocês sabem mesmo quem eu sou?” [1].

A frase retoma a longa tradição do “você sabe com quem está falando?”, da herança autoritária, aristocrática e hierárquica do Brasil, que estaria em contraposição, na análise de Roberto DaMatta [2], com o “quem você pensa que é?”, da tradição democrática, legalista e igualitária dos EUA.

Na viagem para o Brasil, Bieber realizou apenas dois shows: um em São Paulo e outro no Rio. O show de São Paulo, inclusive, terminou mais cedo porque um fã teria jogado uma garrafa de água no palco – coisa relativamente comum em shows desse tipo – e derrubado o microfone do cantor. Por causa disso, Bieber abandonou o palco, deixando mais de trinta e cinco mil pessoas – que chegaram a pagar até R$ 650 – à espera de sua volta, e levando muita gente a pedir desculpas a ele por meio das redes sociais. Outros fãs reclamaram da visita e uma chegou a comentar: “O que me chocou? Ele ser um pouco grosso com as fãs” [3]. Bieber, em outras ocasiões, foi filmado urinando em um balde no meio de um restaurante em Nova York, nos EUA, e até foi flagrado cuspindo em seus fãs em Toronto, no Canadá. Mais recentemente, o cantor foi preso por dirigir embriagado e bater “pega”, apostando corrida em um automóvel pelas ruas Miami, nos EUA.

A cisma, portanto, não é com o Brasil, mas o país foi alvo de seus excessos. Ao longo da história nacional, o Brasil foi visto, durante muito tempo, como mercado consumidor de quaisquer sobras da produção industrial que viesse dos países desenvolvidos. Isto vem pelo menos desde os tratados desiguais com a Inglaterra em 1810, pouco tempo depois da chegada da Família Real portuguesa e da Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808. Algo parece ter mudado nesse quadro, como pôde ser visto na negociação e compra dos caças aéreos suecos Gripen NG, escolhidos no final de 2013 para reequipar e modernizar a frota da Força Aérea Brasileira, em que houve concorrência e haverá transferência de tecnologia.

Apesar da evolução, o Brasil continua sendo um grande consumidor, por exemplo, de seriados “enlatados” estrangeiros, inclusive os que já foram cancelados no exterior, e de alimentos de fast-food, mesmo quando essas redes estão sendo criticadas em seus países de origem pelos malefícios à saúde. Sobre os seriados, foi feito em 2012 um estudo [4] revelando que a imagem que geralmente aparece do Brasil neles é estereotipada e, nas aparições em que é exibido algum juízo de valor, 57% das menções são negativas. Em relação às redes de fast-food, uma pesquisa recente [5] revela que 28% da população brasileira entre 18 e 55 anos – algo em torno de 30 milhões de pessoas – faz suas refeições nesses estabelecimentos mais de uma vez por semana.

Voltando a Justin Bieber, como ídolo de adolescentes, ele não é o primeiro fenômeno do tipo e com certeza não será o último. Antes dele vieram os Menudos, o Hanson, os Backstreet Boys, o N’Sync e os Rebeldes. Pelo menos seus antecessores eram mais simpáticos e tinham grande carinho pelos fãs. Bieber demonstra estar apenas interessado em usar e abusar de seus admiradores, pois, mesmo sendo acusado de vandalismo no Brasil, divulgou, no início de 2014, um vídeo [6] para divulgar seu novo filme dizendo no final, em inglês: “Eu amo você, Brasil.”

Notas:

[1] Citado em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/11/brasileira-que-filmou-justin-bieber-no-quarto-conta-como-foi-noite-com-idolo.html.

[2] A noção aparece diversas vezes ao longo de sua extensa obra de artigos e livros, principalmente no livro Carnavais, Malandros e Heróis (Editora Rocco, 1997; a parte do livro que discute as noções está disponível em: http://comunicacaoeesporte.files.wordpress.com/2010/10/damatta-roberto-carnavais-malandros-e-herc3b3is_-para-uma-sociologia-do-dilema2-brasileiro.pdf).

[3] Citado em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/11/brasileira-que-filmou-justin-bieber-no-quarto-conta-como-foi-noite-com-idolo.html.

[4] Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2012/resumos/R7-0653-1.pdf.

[5] Citada em: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/no-brasil-subway-e-mais-frequentado-que-burger-king.

[6] Disponível em: http://portalpopline.com.br/justin-bieber-grava-video-com-mensagem-para-o-brasil/.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Sei que não devemos resumir um artista a sua vida pessoal nem a sua vida pessoal ao que acontece quando ele está em cena. Seja qual for o palco.
    Mas também não é prudente a completa dissociação.
    Como esse rapaz, muitos são os que nem fazem questão de disfarçar o desprezo que sentem por nosso país, por nosso povo, por nossa cultura.
    Mas o pior é que isso ainda é admirado por alguns nativos.
    É uma pena. E é de dar pena. Deles.

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