Pessoal, dei um exemplo de artigo tendencioso antes. Mas com dois objetivos escrevo este artigo: (1) para dar exemplo de bom artigo que informa o leitor e (2) para que vocês leiam a opinião de Vera Chaia, doutora, livre docente em Ciências Políticas na PUC-SP sobre a não isenção de jornais ao veicularem notícias, principalmente em período eleitoral.
O artigo ao qual remeto vocês é intitulado “o poder da mídia”, às págs. 4/5, da edição 36/ANO 03, do periódico mensal de alto nível do qual já falei, Le Monde Diplomatique (https://diplomatique.org.br/o-poder-da-midia/).
Neste artigo a doutora discorre e responde a perguntas do Jornal. Naturalmente não reproduzirei o texto todo, mas vou reproduzir algumas perguntas para vocês terem ideia da profundidade das perguntas, assim como reproduzirei alguns trechos de respostas que comprovam o fato que sempre trago à baila de que temos de ler criticamente os jornais e com isso encerrarei esta ladainha em especial, para poder passar somente a criticar normalmente e cotidianamente alguns artigos sem poder ser acusado de querer apregoar gratuitamente a falta de isenção da imprensa de um modo geral.
Seleção de perguntas feitas pelo Jornal Le Monde Diplomatique:
“Que influência tem a mídia no Brasil, especialmente a televisão aberta, sobre a opinião pública?”
“Nós temos três grandes jornais no Brasil, O Globo, O Estadão e a Folha, jornais que têm capacidade de produção de conteúdo, de formulação ideológica em defesa disto ou daquilo… são eles que pautam a agenda nacional. Depois de produzida a versão dos fatos, as agências de notícias repassam esse conteúdo para os jornais que não têm essa capacidade. E há uma tradução mais simplificada para os noticiários de TV. Mas o núcleo formulador, vamos dizer assim, estaria abrigado nesses três jornais. Você concorda com isso?”
“Há uns vinte anos, Noam Chomsky escreveu um livro sobre como a imprensa norte-americana produzia o consenso nos Estados Unidos. E ele atribuía a essa mídia a formação da opinião política. Hoje, qual é a sua avaliação? A televisão é capaz de manipular o voto? Essa manufatura do consenso continua sendo produzida?”
“Mas se não é pela mídia, por onde se vai formando essa opinião (a opinião da população mais simples que vê o conflito entre o que a mídia diz e o que sua vida de fato mudou/melhorou/piorou)? Como circulam na sociedade juízos que vão permitir o deslocamento do eleitorado?”
“O Estadão está totalmente integrado à campanha do Serra, assim como os jornais de Brasília e do Rio de Janeiro. Esses órgãos de imprensa dependem muito da publicidade governamental; se assumem essa postura radicalizada da defesa de um candidato de oposição, e o governo consegue eleger a sua sucessora, como fica essa relação entre esses órgãos e o governo?”
Vejam a seleção de trechos de respostas da doutora Vera Chaia:
“As eleições diretas, em 1989, foram consideradas um marco em termos de influência da televisão e da imprensa, de um modo geral, nas eleições. Naquele ano houve um posicionamento claríssimo de todos os meios de comunicação, imprensa escrita, revistas e principalmnete televisão, a favor do Fernando Collor de Mello e em oposição a Luiz Inácio Lula da Silva (…)”
“(…) É claro que a Veja nunca se posicionou, e nunca vai se posicionar, a favor do Partido dos Trabalhadores e muito menos de Lula, mas várias outras revistas o fizeram. (…) Isso é interessante: apesar de a imprensa bater, a todo momento falar no mensalão, de aparecerem imagens de pessoas indo a bancos e da própria CPI que cassou o mandato do Jefferson e do Zé Dirceu, isso tudo que foi publicado e veiculado pela imprensa não sensibilizou a população. Eu acho que, se em 1989 a mídia tinha um peso significativo, hoje o eleitor mudou e compreende essa manipulação.”
“Então, se ele (o eleitor simples) está notando que a vida dele melhorou, ele não vai aceitar o que a imprensa fala, entendeu? Não é só uma questão da mídia que influencia; é, sim, uma melhoria nas condições de vida das pessoas. E isso fez com que o brasileiro se posicionasse a favor do Lula.”
“É preciso compreender o fenômeno Lula, não depreciando a figura dele, porque senão ele não seria reconhecido, não teria 80% de avaliação positiva. Isso por quê? Porque ele fez alguma coisa.”
Senhores e senhoras, quero parabenizar o jornalista responsável pelo artigo, Silvio Caccia Bava e ao Jornal Le Monde Diplomatique pela publicação do artigo da forma como o foi feita. O bom trabalho jornalístico informativo deve ser festejado.
Aconselho a todos o acompanhamento das edições deste novo veículo jornalístico, senão uma tendência, ao menos um grandissíssimo exemplo de que uma maior isenção informativa e profundidade de perguntas e temas pode sair do campo da possibilidade e probabilidade de edição jornalística para o mundo dos fatos reais.
Apesar de as últimas informações serem sobre campo sensível, o objeto do artigo não era o Lula, mas a demonstração de manipulação de informação e criação de tendência pela mídia. Acho que ficou claro que isto existe. Por mais óbvio que possa parecer, ler este tipo de afirmação de uma especialista, em artigo publicado em jornal respeitável, traz a ideia da manipulação informativa definitivamente do mundo do possível para o mundo real.