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Entrevista com o economista Vitor Azevedo Pereira Pontual

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1. Qual(is) foi(ram) sua(s) inspiração(ões) para estudar Economia?

Eu só tomei a decisão de estudar Economia no terceiro ano do Ensino Médio, mas, na verdade, eu estava bastante inclinado a estudar Economia desde a primeira série. Minha grande inspiração foram as aulas de História do primeiro ano, com a professora Cristina. Eu sempre gostei muito de história, e tive a sorte de depois ter tido aula com a Eulália e com a Suzana, 3 grandes professoras.

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Naquela época eu estava bastante interessado pelo desenvolvimento do capitalismo, e por política também. Uma coisa que me marcou muito foi quando ela passou um trabalho de grupo, para casa, para investigar as razões da crise de 1998. Precisávamos explicar a crise no contexto do capitalismo (cujo nascimento estávamos estudando) e ela pediu para entrevistarmos alguns economistas. Eu tinha dois vizinhos, que moravam onde meus pais moram até hoje, em Niterói, dois vizinhos muito próximos: um fez Economia, acho que na UFF, nos anos 1980, e trabalhava no mercado financeiro; e o outro estudou na Universidade do Estado da Guanabara, hoje UERJ, creio que nos anos 1970, com uma visão mais de esquerda. Foi um trabalho muito interessante! Eu passei com cada um umas 3-4 horas, conversando sobre Economia. Gravei tudo em um daqueles gravadores antigos. O mais velho, que era de esquerda, falou sobre Lênin, Santo Agostinho, Marx, Keynes, Gunnar Myrdal… Ele tinha bastantes referências e falava com muito entusiasmo de cada um deles, de cada um desses autores. O que me fez também ler e buscar as referências.

Então, neste ano de 1998, foi um ano em que me aprofundei muito em estudar sobre economia. Ainda estava na primeira série do Ensino Médio, mas comecei a ler Marx, um pouquinho de Keynes e eu entendia já muito bem o que tinha sido o Plano Real.

Isso é interessante. Nossa geração viveu a mudança trazida pelo Plano Real. Tínhamos 10-11 anos (de 1993 para 1994), toda aquela coisa da URV, depois da conversão para o real, aquilo parecia um milagre para a gente. A vida toda ― desde que eu me lembro por gente ― nós passamos por muitos turbilhões: o Plano Cruzado, o Collor….. Eu lembro muito bem do confisco da poupança, meus pais reclamando, toda a crise que veio com o Collor, aquela coisa da inflação gigantesca, fila no supermercado e em posto de gasolina. Então, isso me fez buscar muito como esses caras tinham feito um plano que, de repente, tínhamos 30% de inflação no mês e isso passou para 6% ao ano. O negócio era incrível! E isso me fez buscar entender o que estava acontecendo e foi ali, em 1998, que eu decidi de fato estudar Economia.

A outra inspiração foram meus professores de Matemática no Ensino Médio. Lá no Colégio São Bento teve uma base em Matemática muito forte, eu gostava muito de matemática, inclusive gabaritei a prova de Vestibular da UFRJ. O pessoal da PUC depois ficou perguntando: “como é que você conseguiu…?”…. Grande parte é mérito e inspiração de pelo menos dois professores do Ensino Médio que eu admiro muito do Ensino Médio: o Waldemir e o Camelier. Foram dois professores que me fizeram ter bastante gosto por Matemática e aí eu fiquei muito entusiasmado com essa possibilidade de mesclar essa compreensão toda de História e de Economia e, ao mesmo tempo, aplicar Matemática; eu estava bastante sedento por isso. Acho que foi isso que me inspirou para estudar Economia.

Mas acho que, uma vez na universidade, eu tinha tudo para virar um “Macroeconomista”, tudo o que eu estava estudando ali, tudo que eu gostava no fim do Ensino Médio e quando eu entrei na faculdade era entender basicamente porque alguns países são pobres e outros são ricos, e as instabilidades financeiras. Nós tínhamos passado por muitas instabilidades financeiras e então, a partir dos anos 2000 o Brasil ficou mais estável. Isso também influenciou um bocado o que aconteceu comigo dentro da universidade. Na graduação fui fazendo monografias, fiz parte de um grupo de iniciação científica, um grupo chamado PET (Programa Especial Treinamento), com o professor Rogério Werneck e desde então ali eu estava mais inclinado a estudar a parte da Economia ligada à área social. Fiz uma primeira monografia com o Chico Ferreira sobre discriminação racial no mercado de trabalho, ainda no 1º ano de graduação, depois um trabalho mais teórico sobre emancipação de municípios com o Rogério Werneck, e no 3º ano comecei a mexer com economia da família.

Aí uma referência que me impactou bastante naquela época foi Gary Becker. Eu fui conversar com Juliano Assunção, que acabou sendo meu orientador de monografia e de Mestrado, e eu estava procurando um tema para fazer monografia de PET e o Juliano falou: “olha, acho que o que você está falando ali que você gosta tem muito a ver com o que o Gary Becker pesquisa. Então dá uma olhada nesses livros aqui dele e pensa em algum assunto.” E eu fiquei absolutamente fascinado com os artigos do Becker. Acho que essa foi a minha grande inspiração para depois vir a estudar, no Mestrado, Economia da Família. Fiz uma dissertação sobre barganha dentro do matrimônio, mas já ligada a desenvolvimento infantil. Tinha uma parte interessante também que era aplicação de modelos de barganha de Nash que a gente via na matéria de Teoria dos Jogos, e eu adorava isso, fui até monitor da matéria na graduação. A ideia inicial era ver como que a presença dos pais e a proteção dada pelo casamento influenciavam o desenvolvimento infantil. Passei a ler sobre medidas de desenvolvimento das crianças saúde infantil, etc… Acho que a partir daí que veio o interesse em estudar não só desenvolvimento infantil, mas depois também educação, que veio a ser minha especialidade no Doutorado.

2. Uma citação do economista John Maynard Keynes datada de 1924 afirma que “A tarefa a que se propõem os economistas torna-se excessivamente fácil e inútil se eles só são capazes de nos dizer que, passada a tempestade, vem a bonança.” Na sua opinião, qual é a tarefa e a responsabilidade dos economistas?

Eu acho que a principal responsabilidade dos economistas é entender os fenômenos sociais de uma forma organizada, de forma em que você acaba modelando essas relações. Então você vai se abstrair do que não é o mais relevante, e focar no que de fato é essencial para poder fazer essa descrição das relações sociais. E a partir daí você consegue entender o mundo de uma forma mais organizada, com o pensamento lógico, e é por aí que entra a matemática, como que os fenômenos sociais aparecem e como eles interagem. Isso vale não só para política monetária, política fiscal, política macroeconômica, mas para coisas em que as pessoas não estão muito acostumadas a pensar que são objeto de estudo de economistas. Desde como famílias se formam, como as pessoas decidem alocar os bens dentro das famílias, como investir na saúde e na educação dos filhos; quais são as políticas mais efetivas para melhorar a educação, como funciona o mercado de trabalho de professores, mapear quais políticas são mais efetivas para garantir que as pessoas se eduquem, etc….

Ou seja, as pessoas estão interagindo, e há tanto as decisões que são tomadas individualmente pelos indivíduos, com seus trade offs, seus dilemas de como alocar o tempo e outros recursos, como há decisões que são coletivas, muito mais complexas. A economia ajuda a entender tanto como fatores externos, como o preço e os custos de oportunidades, influenciam a tomada de decisões individuais, mas também como são tomadas as decisões coletivas.

Eu acho que outra tarefa do economista é sempre pensar se as alocações observadas no mundo real se aproximam do que seria o eficiente. Se as alocações são obtidas com o menor custo possível. Enfim, parte disso é pensar não só como as pessoas estão fazendo suas alocações individualmente, mas coletivamente, e aí entra uma série de complicações: com as pessoas agindo estrategicamente, quais são as regras de decisão coletiva, etc…. É preciso pensar tudo isso para conseguir explicar como essas escolhas sociais são feitas. Às vezes são feitas de forma bastante ineficiente. Mas é o mundo real…. estamos muitas vezes otimizando em um mundo que é restrito. Temos muitas restrições que podem ser de natureza física, mas podem ser de natureza institucional, ou de problemas de ação coletiva.

Quando você fala da responsabilidade, acho que temos que pensar sempre que quando estamos modelando esse mundo ou pensando nas relações sociais de forma organizada, eu diria que temos também que diferenciar um pouco as áreas de atuação do economista: há economistas que estão na academia, há economistas no governo, formulando políticas, e acho que para esse segundo grupo é muito clara a responsabilidade que eles precisam ter. Eu acho que para esses, é importante sempre ter em conta relações sociais e políticas que você encontra como agente político, que formula política econômica e social, ter em conta que os desafios muitas vezes são muito diferentes do que você encontra em um livro-texto. Eu passei pelo governo. Não adiantava, por exemplo, mostrar que o método X era o correto e o mais rigoroso, porque no mundo real quem toca a política está interessado em outras coisas, e pra elas a metodologia mais correta é só papo de acadêmico que não lhe traz retorno algum.

Em uma democracia há processos políticos que são importantes de serem entendidos e respeitados. O modelo, o papel, o livro-texto diz que a política mais eficiente seria aquela e, por mais que se deva buscar aquilo ali, você tem que compreender que o processo final de alocação não depende só de você, depende basicamente de política. Então esquece a primeira opção, a eficiente, parte pra segunda melhor, pra terceira melhor….. No mundo prático, se você está fazendo política, nunca se vai escapar disso: você precisa fazer política! Você precisa compreender quem são os atores, você precisa negociar, você precisa convencer as pessoas. Isso é a coisa mais importante: você precisa convencer as pessoas. Não dá para você impor nada de cima para baixo.

Mas eu acho que o que pode unir tanto acadêmicos quanto “policymakers” ― falando então da responsabilidade e da tarefa ― é a compreensão de que a economia é um instrumento muito poderoso para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Não adianta muito entender o mundo, problematizar ou modelar essas relações sociais, se em última análise isso não serve para que as pessoas na ponta possam ter mais qualidade de vida: fazer com que as pessoas saiam da pobreza, para diminuir as injustiças do mundo. Eu acho que isso pesa um pouco na responsabilidade. Sei que é um ponto bastante polêmico; muita gente vai falar que um economista acadêmico que está fazendo teoria, por exemplo, não precisa ter responsabilidade nenhuma, a única coisa que ele precisa fazer, por exemplo, é teoria matemática. Acho que para certas áreas mais abstratas da economia isso é verdade, não faço ideia se haveria alguma responsabilidade….. Se você está só fazendo matemática por matemática, como exercício intelectual, acho isso completamente válido, mesmo que na prática seja completamente inútil.

Agora, falando mais da minha área, que é mais aplicada e voltada à formulação de política pública, eu sempre gosto de pensar que as coisas que nós estudamos podem ser úteis para melhorar o mundo de alguma forma. Então acho que essa é a responsabilidade: de fazer algo útil, de não perder tempo e uma formação poderosa com coisas que, ao fim e ao cabo, não vão servir para nada… No fundo nós temos uma ciência que pode ser muito poderosa para encontrar soluções que façam com que as pessoas melhorem de vida, e creio que isso coloca um peso de responsabilidade na gente. Quem faz pesquisa social precisa fazê-la bem-feita, com rigor, pra não chegar em conclusões equivocadas E depois precisa saber fazer os seus resultados chegarem ao maior público possível, pois aquilo pode ser útil pra sociedade.

Isso muitas vezes pesa muito. Porque às vezes você tem uma pesquisa muito interessante, com resultados que podem ajudar os governos a formularem boas políticas, mas o processo de publicação dos resultados de pesquisas em economia é muito demorado e muito penoso. E quando você não consegue publicar o que você pesquisou, o alcance da sua pesquisa fica limitado. Se você assume que seu dever ético é fazer pesquisa para melhorar a vida das pessoas e não consegue divulgar seus resultados, então você começa a cair em certos dilemas. Será que outra pessoa com maior capacidade de publicação não poderia pesquisar o mesmo tema que você, e fazer um bem maior às pessoas do que você faria? Qual seria mesmo minha vantagem comparativa, como eu posso fazer o melhor uso da minha formação? São perguntas que muitas vezes eu me faço por causa dessa crença sobre a responsabilidade do economista, mas acredito que seja uma visão muito particular, talvez influência da formação beneditina.

3. Um impasse recente envolve dois lados debatendo o que seria pior: enfrentar a pandemia ficando em casa e arrasando, no curto prazo, a economia conforme ela está organizada atualmente ou sair para a rua e colocar a si e aos outros em risco diante de um vírus novo, altamente contagioso e mortal para muita gente. Essa questão talvez seja parte de um debate mais antigo envolvendo a incapacidade de mensurar economicamente bens imateriais, como a vida, a saúde, a educação e a liberdade. Como um dos pesquisadores que defendeu publicamente a ajuda emergencial do governo, quais são seus pensamentos acerca disso?

Recentemente houve uma carta escrita por economistas cobrando ações mais efetivas de combate à pandemia e seus impactos, e eu assinei esta carta. Ela surgiu de um grupo de economistas, que reúne acadêmicos, economistas com passagens por governos, consultores, e outros que trabalham no mercado financeiro. A carta circulou depois entre banqueiros e a imprensa acabou dando muito destaque a eles… Eu concordo veementemente com tudo o que estava escrito ali. O Brasil virou em 2021 o epicentro da pandemia, e a saída passa pela vacinação em massa. Pontos básicos não deveriam ser motivo de controvérsia alguma. Vacinação, o incentivo ao uso de máscaras, medidas de distanciamento social bem coordenadas, e liderança nacional do enfrentamento à covid.

Fato foi que essa carta, por um curto momento, fez o governo esboçar alguma reação, ou pelo menos simular que mudou de atitude, a gente nunca sabe…

Outro aspecto importante da carta é que ela mostra que, entre a maioria dos economistas hoje, não existe esse falso dilema entre salvar a economia ou salvar as pessoas. Para que a economia volte e as pessoas possam trabalhar de forma segura, precisamos ter níveis baixos de contaminação e de mortes. Não existe essa coisa louca de achar que você deve sacrificar a vida das pessoas em prol da economia. Isso revela como, no fundo, o preço da vida no Brasil é muito baixo. Não valorizamos em nada a vida. A morte é totalmente banalizada. Isso já era muito claro: quando um país convive com as taxas de mortalidade da nossa juventude vitimada por ação da polícia, por coisas tão banais, e a sociedade aceita conviver com isso, acho que isso mostra como desprezamos a vida. O que são 4 mil mortes por dia?

Não existe nada mais valioso do que a vida da gente. Não existe economia com você no caixão. De que vale a economia se você está a sete palmos da terra? Então o mais importante de tudo é a preservação da vida das pessoas. Ponto final.


É completamente abjeto, desumano, amoral o comportamento do presidente e seu entorno nesta pandemia. Do ponto de vista econômico, é também completamente ilógico. Já vimos que os países que se saíram melhor da pandemia foram os países que tomaram as medidas corretas de distanciamento social desde o começo. A Austrália no começo de 2021 estava tendo show de rock. Desde novembro…. com milhares de pessoas aglomeradas. Porque não tem risco, basicamente eles conseguiram fechar as fronteiras, conseguiram se isolar, conseguiram fazer distanciamento social e “contact and tracing“: você pega o contato de quem tem suspeita de estar doente, você monitora essa pessoa, você isola as pessoas com quem essa pessoa teve contato e isso de alguma forma controla a expansão do vírus.

Isso poderia ter sido feito no Brasil? Obviamente é muito mais difícil, a Austrália é uma ilha com um grande deserto e a população concentrada na costa. A população é muito menor do que a do Brasil. Mas teria sido possível ― eu creio que talvez não como a Austrália e a Nova Zelândia fizeram ― mas algo mais parecido com o que a Alemanha fez. Olha pra Araraquara…. Quando a P1 começou a se espalhar por lá, se fecharam. Salvaram milhares de vidas. Sem solução mágica. Só que é necessário que você consiga comunicar para a população e que consiga fazer com que a população de fato respeite o distanciamento. Mas fazemos o contrário, o presidente não dá exemplo, zomba de quem usa máscara, ri de quem ficou doente, ataca diuturnamente as medidas de distanciamento social. A consequência é exponenciar o custo político dos prefeitos de tomar as medidas necessárias.

A vacinação hoje é o elemento crucial para vencermos a pandemia. E o que fizemos ao longo de 2020? Ignoramos mais de uma centena de e-mails de ofertas de vacina, enquanto o presidente ia para a TV desacreditar a eficácia das mesmas. O governo federal demorou demais para comprar as vacinas. Só entrou na última hora, com a desculpa esfarrapada das cláusulas leoninas, as mesmas que assinou no contrato entre a Fiocruz e a AstraZeneca. Na verdade, só comprou mesmo depois que percebeu que ficaria mal frente à opinião pública quando São Paulo começasse a vacinar. Tivemos muito azar de termos tido a pandemia em meio ao pior governo da história do país. É uma mistura de estupidez, burrice, loucura, ignorância, desumanidade, corrupção e incompetência jamais vistos. Como uma equipe do ministério da saúde alega que atrasou a assinatura de contratos de vacina porque não sabia ler inglês? São coisas muito básicas. Nem ao menos falsificar um invoice essa gente sabe fazer, confundem preço com príncipe….

Respondendo à pergunta sobre o auxílio, creio que tenha sido fundamental. Não tem alternativa para uma pessoa pobre. Para mim, que já trabalho de forma remota há muito tempo, é muito fácil: eu já trabalho de casa, não mudou absolutamente quase nada com a pandemia. Mas para quem vai para o trabalho no dia a dia, como essa pessoa vai sobreviver? Então para que essa pessoa de fato fique em casa, é muito importante o auxílio. O auxílio veio, mas veja… por inciativa do Congresso, não do governo. Na última hora aumentaram o valor para faturar em cima, mas se opuseram desde o início.

Teria sido muito importante na época, lá atrás, no primeiro semestre de 2020, termos tido uma resposta firme, grande e bem direcionada para as pequenas firmas, para que elas não quebrassem. Porque, uma vez que essa firma quebra, é difícil refazer os matches com trabalhadores e consumidores. É difícil reconstruir ― alugar de novo o mesmo lugar, recontratar os mesmos funcionários, o pessoal que já tem treinamento… é muito mais difícil. Esse é todo um capital que está (no jargão dos economistas) afundado, e que foi perdido. Então muita firma que quebrou não vai voltar.


E nós poderíamos ter tido uma ação mais incisiva. Não necessariamente em relação ao volume de recursos, mas na forma de chegar aos trabalhadores e às firmas, que poderia ter sido diferente. Hoje já temos muita tecnologia. Os governos têm uma dificuldade de alcançar o pequeno empresário nesses programas de crédito, no mundo inteiro. O pequeno empresário tem dificuldade de acessar a burocracia, de navegar no sistema até acessar o crédito. O Gabriel Ulyssea e o Christopher Neilson mostraram exatamente isso em um artigo recente.

As pessoas e as pequenas firmas têm maquininha de cartão, você poderia a princípio oferecer crédito de forma muito facilitada para essas pessoas via algumas Fintecs e operadores financeiros que têm histórico de movimentações…. Outra coisa que eu defendi lá atrás, quando escrevi com o Bruno Ottoni o artigo para a Folha de São Paulo, é que a forma de operacionalização do auxílio também importa muito. Estávamos em um momento em que o que você não gostaria de fazer era botar as pessoas na fila para pegar o auxílio da Caixa Econômica Federal. Isso é de uma crueldade, enfim, típica dos atuais governantes, sem o mínimo de sensibilidade social. Se pudéssemos minimizar o custo de as pessoas saírem de casa e se aglomerarem, talvez tivéssemos poupado algumas vidas. Obviamente não é uma solução simples, mas as pessoas aprendem a lidar com tecnologia. Olha para o PIX…. Pegou, as pessoas fazem pagamentos com o PIX.

4. A Ciência Econômica sempre foi apresentada como cercada de diversos impasses e contrariedades: entre crescimento e inflação, entre governo e mercado, entre oferta e demanda, entre estoque e fluxo, chegando a um equilíbrio instável e com constantes deslocamentos e flutuações. Atualmente observamos, mesmo com o desenvolvimento e a redução da escassez em diversos lugares do mundo, cenários de renovadas crises econômicas. Qual é na sua opinião o melhor caminho para uma economia mais estável?

Não sei responder isso direito não [risos]! Acho que o mundo já foi muito mais instável. Se você pensar ao longo do século XIX, começo do século XX, crise de 1929 etc… Os ciclos econômicos eram muito mais pronunciados. Você fala de Keynes lá na pergunta, acho que aprendemos muito a usar instrumentos de política fiscal e monetária para suavizar os ciclos econômicos. Se você pensar no tamanho do que foi a crise de 2018 nos Estados Unidos, exceto a Grécia,o mundo se saiu muito bem. A gente poderia ter tido o desastre de novo de 1929 e todas as consequências políticas que vieram depois de 1929, a ascensão do fascismo e do nazismo e toda a quebradeira que veio depois nos Estados Unidos.

Obviamente não estou colocando a origem da ascensão de Mussolini, na Itália, e de Hitler, na Alemanha, inteiramente na crise de 1929 ― longe de falar isso ― mas é certo que a crise econômica dos anos 1930 também contribuiu para esses movimentos. O FED lançou mão de instrumentos que não eram convencionais na época: compra de títulos privados… Uma vez que a taxa de juros já estava tão baixa, a política monetária vai perdendo a força. A taxa de juros nominal tem um limite de zero, o famoso “zero lower bound”. Nesse caso, você precisa lançar mão de instrumentos alternativos. Esses instrumentos foram utilizados nos Estados Unidos. Eles conseguiram sair relativamente rápido da crise.

Hoje a instabilidade que acomete muitos países ― principalmente os países menos desenvolvidos ― tem muito a ver com os ciclos políticos e a deterioração dos regimes democráticos. Na África, muitos dos problemas estão relacionados a conflitos étnicos e como política lida com esses conflitos. Em cenários de instituições frágeis, líderes autoritários podem chegar ao poder e manipular todo o sistema político para se perpetuarem no poder. Enquanto isso, vão atraindo mais renda para si e para o seu grupo político, e isso obviamente vai gerando conflitos. Isso gera instabilidade. Falamos muito em instabilidade econômica, mas é importante prestar atenção na instabilidade política que acaba influenciando na instabilidade econômica. E acho que precisamos prestar muita atenção nisso e no que está ocorrendo no Brasil hoje, porque vemos de forma muito clara e muito evidente desde 2018, o risco de colocar algumas figuras no poder.

Eu nunca comprei a versão de que a equipe da Fazenda, o centrão ou os militares pudessem normalizar a loucura do sujeito que ocupa a nossa presidência. Nossas instituições claramente não estão funcionando, e não sei se são fortes o suficiente para frear um movimento autoritário. Estamos em um cenário de instabilidade muito grande desde 2013. Acho que o que estamos vivendo hoje no Brasil é absolutamente surreal, não só pela questão da pandemia.. O que está sendo feito no Ibama, no Ministério do Meio Ambiente, no Ministério da Educação, no Ministério da Saúde é algo que vai ter consequências muito ruins para nós por décadas. Não vai ser em alguns anos que conseguiremos reverter esse cenário não. Isso é instabilidade na veia. Já não sabemos se teremos eleições em 2022. Isso seria inacreditável há 3 anos atrás. O que nós vimos durante 2014, 2015 e 2016 era o quê? Instabilidade. Instabilidade política gerando instabilidade econômica. E instabilidade econômica por sua vez retroalimentando instabilidade política. Como resolver esses problemas políticos? Eu não faço a menor ideia! Como diminuir essas instabilidades políticas? Eu não sei. Obviamente o caminho é fortalecer instituições, mas instituições são uma variável endógena. Então é complicado.

5. Quais rumos você enxerga para o Brasil, para o mundo e para a sua própria vida?

Eu enxergo o Brasil em um rumo muito ruim. Acho que cada dia que a gente vive desde 2013 é um pesadelo. Em particular desde 2018, em uma completa distopia. Eu sou pessimista com o Brasil desde 2013. Acho que a gente está indo para o buraco. Se eu tenho alguma mensagem otimista? É difícil ― muito difícil ― enxergar o Brasil com otimismo nos próximos anos. Infelizmente eu gostaria muito de estar otimista com o Brasil. Acho que temos alguma esperança de que se talvez o Bolsonaro derreter ― e espero muito que ele derreta, talvez a gente possa ter esperança de uma terceira via… Aí sim poderíamos renovar as nossas esperanças de que o Brasil possa ser um país melhor no futuro. No cenário atual eu não vejo o Brasil melhorando, eu vejo o Brasil cada vez pior ― é muito triste para as minhas filhas ― eu vejo a gente caminhando para o buraco. E acho que, se a gente reeleger este genocida, é mais rápido para o buraco. Cenário de, no médio prazo, a gente se tornar uma Venezuela de direita.

Já para minha própria vida talvez a perspectiva seja um pouco diferente. Aí é mais fácil de ter um pouco de esperança porque depende da gente. Não digo que depende totalmente da gente, rodamos muitos dados na vida, a gente nunca sabe exatamente o que vai ser o futuro. Tem muita coisa que é imponderável, que é questão de sorte, de azar, mas a gente tem mais controle. Minha vida não depende dos 30% de lunáticos que apoiam o presidente. Então para a minha vida eu tenho mais otimismo. Eu tenho uma esposa maravilhosa e duas filhas maravilhosas e elas são a minha fonte de inspiração para acordar todos os dias e ter mais fé na vida, apesar deste mundo louco em que a gente vive.

6. Qual(is) mensagem(ns) você gostaria de deixar para os leitores?

Eu acho que a mensagem que eu gostaria de deixar é que, fazendo um pouco o gancho dos rumos enxergamos para a nossa vida e para o Brasil e para o mundo, é que tenhamos otimismo sempre com a nossa vida pessoal e também com a nossa coletividade ― o que também é importante, essencial, e, obviamente, influencia nossa vida. Nós temos nosso papel no mundo e nossas responsabilidades ― são responsabilidades como sociedade ― que são importantes. Sempre podemos ter alguma esperança de sair desta distopia, deste pesadelo em que a gente se encontra no nível coletivo no Brasil. Se existe um pouquinho de esperança, é a de que em pouco tempo nos vejamos livres, tão cedo quanto haja vacinação e se possa sair nas ruas, possamos sair nas ruas para derrotar esse governo federal e que possamos tirar o Bolsonaro do poder. Só aí teremos normalidade e algum otimismo no Brasil. Obviamente que só tirar o Bolsonaro não é suficiente porque as pessoas vão continuar com as suas paranoias e suas teorias de conspiração. Mas quero crer o que aconteceu em 2018 tenha sido só um acidente de percurso, assim como foi nos Estados Unidos, e que possamos ter aquele velho Brasil que a gente tinha ― não digo aquele Brasil cheio de corrupção ―, mas que tenhamos um Brasil em que as pessoas se falem mais e se respeitem mais ― que não seja um país de tanto ódio. E que a gente tenha mais compaixão, mais solidariedade, mais amor uns pelos outros ― que se possa ter uma vida normal, sem o medo de morrer e deixar duas crianças órfãs. Isso vai passar, isso vai passar. Isso vai passar e a vida vai ser melhor do que ela é hoje. Temos que confiar no futuro.

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Vitor é Doutor, Mestre e Bacharel em Economia pela PUC-Rio (2016), com doutorado sanduíche na Universidade de Stanford (2015). É professor do Mestrado Profissional em Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas da Enap. Foi diretor do Departamento de Avaliação da SAGI, no antigo Ministério do Desenvolvimento Social, e possui experiência na condução de diversas avaliações de impacto, especialmente no campo da economia da educação.

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