Pessoal, farei uma ponderação rápida aqui sobre o tema, pois a desconstituição da impressão negativa contra os servidores à primeira leitura da manchete criticada é fácil.
A publicação enfatiza o fato de que em 9 anos o governo federal dobrou o gasto com servidores públicos federais, ressaltando que o maior acréscimo foi com servidores do Executivo, tendo sido o menor crescimento proporcional ao número de servidores ocorrido no Judiciário.
Veja a íntegra em http://oglobo.globo.com/pais/gasto-com-servidor-dobrou-em-nove-anos-5554497
Primeiramente, este artigo, apesar da manchete de apelo com tendência desfavorável aos movimentos de greve dos servidores, se apresentou menos pior do que a maioria de artigos anteriormente publicados contra os servidores e movimentos de greve de servidores públicos. Isso é bom e é um avanço.
Há muitas informações comparativas, o que aproxima a verdade dos fatos apresentada ao leitor. Mas para nós, ainda não foi um artigo perfeito. Ainda está longe de ser perfeito porque a manchete e o conteúdo devem incitar ao raciocínio, dando informações mais neutras e frias e não foi o que ocorreu, ao menos em relação ao artigo em geral e em relação aos servidores do Executivo. Foi bem mais honesto com os servidores do Judiciário, o que contribui para elevar o debate social acerca do tema, mas ainda merece alguns reparos. Vamos a eles.
Já inicio a crítica com mais um elogio ao artigo. Apesar de o artigo não realçar a questão, publicou trecho essencial argumentativo sobre o tema de aumento de gasto nas palavras do Presidente da Confederação dos Servidores Públicos Federais: o aumento nominal esconde que houve grande queda de gasto percentual, estando os gastos com servidores federais em 30% do orçamento da união, enquanto o limite é de 50%.
Isto é importante. O Globo dessa vez foi honesto em ter escolhido este trecho da entrevista com o sindicalista para publicar. Nessa linha tenho a dizer que apesar de o artigo informar que aumento o gasto por servidor em 120% no Executivo em 9 anos, é importante notar que o PIB de 2003 foi de R$1,5 trilhão de reais e o PIB de 2011 foi de R$4,150 trilhões de reais. Portanto, apesar de ser apresentado o aumento de gasto por servidor como algo alto, percentualmente foi 1/3 do crescimento do PIB que quase triplicou no mesmo período.
E a arrecadação ainda costuma ser um pouco maior do que o crescimento do PIB (por uma fantástica engenhosidade criada para a época inflacionária e que hoje tem que mudar), o que gera legítimas críticas de aumento de carga tributária (apesar de nossa carga ser menor do que de muitos países do nosso nível econômico e até mais ricos), mas que, portanto, termina por diminuir o impacto de aumento de gasto com servidor. Por isso, o artigo não foi perfeito. Ele vem na linha da justificativa da Presidente Dilma, mas não trouxe um debate que acho mais honesto e correto ainda.
Vai ser difícil um debate perfeito através de jornal, pois o tema é altamente complexo e pressupõe o que se define como principiologicamente correto para a manutenção da estrutura do Estado e nível de prestaçõ de serviço público que se queria garantir à população. Daí, sim, pode-se dizer que o investimento é alto ou baixo: sempre com relação ao que se quer garantir de serviço público à população.
O serviço que se quer prestar é de qualidade ou de quantidade? Ou é sem qualidade e sem quantidade, deixando toda a demanda social por Justiça, arrecadação tributária, educação, saúde e previdência para ser atendida pela área privada? Depois desse debate poderia vir um outro: quanto o aumento de servidores públicos (em quantidade de servidores e auemtno de salário) reflete em quantidade e qualidade de prestação de serviço público? Poderia se comparar o trabalho de servidores em 2003 e em 2011. Os serviços de expedição de passaporte ficarão muito mais ágeis? Quando isso ocorreu? Foi quando aumentou o número de servidores e salário da polícia federal? Como quantificar esse retorno à sociedade em valores?
Da mesma maneira poderíamos perguntar: triplicar o número de servidores diplomatas coincidentemente mais que duplicou nosso comércio exterior. Isso tem relação? Como se quantificar em valores para a sociedade esse serviço prestado por diplomatas em relação ao custo ao Erário em investir em suas contratações e carreiras? E assim, poderíamos fazer com a educaçãoe a saúde, os quais aliás tiveram dimensionado pelo IPEA que cada real investido em cada área dessa garante retorno ao PIB em valor de R$1,85 e R$1,45, respectivamente.
No Judiciário, posso dizer que um Juizado Especial Federal Cível devolve à sociedade em torno de R$16 milhões a R$32 milhões por ano. Mas só há seis Juizados Especiais Federais Cíveis na capital do Rio de Janeiro. Se você aumentar o número de servidores e com política remuneratória justa e constitucional, você poderia ter mais três Juizados e acelerar processos em todos os Juizados (pois dividiria o acervo atual e as novas distribuições), além de entregar à população no mínimo mais outra quantia igual de 16 milhões a 32 milhões de reais por ano por cada Juizado novo, multiplicando o retorno social e o resultado para a população em até 50% (no caso de criação de mais três Juizados Especiais na capital). Ou até mais, porque com menos acervo dá para solucionar mais facilmente os processos e poderia ter um aumento por Juizado.
Então, a informação no artigo não foi boa, mas foi bem melhor do que as publicações anteriores. Sonho com o dia em que jornais da grande mídia abordarão o tema serviço público sobre esse prisma: o de como é possível garantir a melhor e mais eficiente máquina pública à população para garantir mais e melhor prestação de serviço público a todos e nos aproximar da realidade européía. Pois temos dinheiro para isso.
Veja, a verdade neste tema é a seguinte: o aumento de 120% em nove anos com servidores, em grande parte foi com contratação de novos servidores, além de que o aumento foi abaixo do aumento do PIB, abaixo do aumento obtido pelo salário mínimo e abaixo do obtido pela área privada. Esse “aumento” de 120% em 9 anos foi com certeza menor do que o retorno de um investiumento em poupança que é a menor remuneração financeira possível para efeitos comparativos. E mais: não foi dinheiro jogado pela janela, foi investimento na contratação de servidores ou seja criação de emprego ao cidadão, gera pagamento de imposto de renda e previdência pública, põe valores na economia e realiza a função do Estado em prestar serviço público à população brasileira.
Por fim, esse “aumento” foi uma reestruturação do Estado que foi solapado em sua estrutura funcional pelos governos Collor e Fernando Henrique. O que está hoje estruturado, que ainda é aquém do que deveria ser para a demanda brasileira, deve ser mantido e é aí que entram as demandas dos servidores. Não é preciso esperar depauperarem-se as carreiras públicas para depois enaltecer-se essa miséria para só depois conceder-se algo de reajuste.
Então, é isso. Quero chegar ao dia em que, como na França, em 2002 ou 2005, em uma reestruturação administrativa foi necessário extinguirem-se duzentas varas judiciais pois não havia mais processo nessas Varas a serem solucionados. Isso sim é um problema bom: a entrega de serviço público é tal que precisa ser redimensionada para não ser (aí sim) um gasto sem retorno à sociedade. Hoje temos carência de serviço público. Temos de discutir qual o número suficiente de servidores para atendimento adequado das necessidads da população em todas as áreas.
Temos de discutir gestão de recursos humanos no serviço público, pois não há incentivos extras como prêmios em dinheiro como há na área privada, dentre outras coisas. E dentro deste tema de gestão de serviço público temos de discutir o nível de escolaridade, o grau de complexidade de atribuições para cada servidor e o ideal de remuneração para mantê-lo, incentivá-lo a ficar exclusivamente em sua função e se especializar na sua carreira, garantindo cada vez melhores retornos sociais de seu serviço.
Isso sim seria debate sério. Ainda não chegamos nesse debate em que a mídia estará ajudando a montar um Estado brasileiro eficiente para todos os brasileiros. Mas o debate está melhorando.
p.s.: corrigido e ampliado