Senhores e senhoras, primeiramente quero registrar o baixo nível das abordagens em redes sociais e jornais sobre as reais causas da derrota de Aécio. Comecemos por aí. A causa da derrota de Aécio, pergunto, teria sido, como aparentemente Jabor disse, porque pessoas que se beneficiam do Bolsa Família Votaram em Dilma? Recebi pela internet termos mais grosseiros que incluíam limpeza íntima com jornal… espero que ele não tenha escrito isso e seja montagem.. Mas realmente teria sido por causa do voto dos pobres? É simples assim?
Bem, essa abordagem simplista é vil, divisionista da sociedade e é uma mentira tão incrivelmente ordinária que posso exterminá-la com apenas uma pergunta. Aqui vai: Se todos os pobres, em bloco e organizados (rsrsrs), votaram em Dilma para defender o Bolsa Família, com certeza o fizeram todos no primeiro turno e o restante era opositor do governo; mas se no primeiro turno a soma dos votos em Aécio e Marina eram superiores à votação em Dilma e sem beneficiários do Bolsa Família, como Aécio não atraiu tais votos na sua integralidade? Não foi o Bolsa Família, houve uma escolha por pessoas que não recebem Bolsa Família também. Mesmo os que estivessem em dúvida… pela lógica apresentada, se estavam em dúvida era porque não recebiam Bolsa Família, claro!! Então, mesmo o voto desses, porque não foram na totalidade para Aécio?
Então vejam, pessoal, quero que pelo menos vocês que nos acompanham tenham a clara noção de que colocar culpa da eleição da Dilma em quem é beneficiário do Bolsa Família é ignorar o fato de que a proposta de governo de Aécio não conseguiu atrair a maioria da população e a integralidade dos eleitores de Marina. É isso.
E agora falando a verdade clara e cristalina, não há esse divisionismo social. Pobres votaram em Marina, em Aécio e em Dilma. Recebi dois vídeos horríveis pelo whatsapp, os quais vocês devem ter recebido. Em um, duas adolescentes pobres discutiam sobre voto em Aécio ou Dilma. A que disse que votaria em Dilma foi agredida com um soco no rosto pela outra jovem adolescente negra e evidentemente (para quem assistia o vídeo) pobre, que defendia a votação em Aécio (a história era bem curta, mas essa dinâmica era evidente). Em outra um eleitor da oposição (com certeza) filmava uma mulher miserável e perguntava sobre o que “disseram a ela” sobre eleição e Bolsa Família. A mulher fala, com sua natural dificuldade, em tom de expectativa e grande receio, que lhe disseram que, se ela não votasse no PT, perderia o Bolsa Família. E ele acaba dizendo: “E agora? Você não votou no PT e será que vai perder o Bolsa Família?”. Ela diz que não sabe (com medo) e diz que se acontecer ela vai cobrar na casa da pessoa que lhe falou que é relacionado com quem ela chama de Djalma, identificado pelo cinegrafista deste vídeo como Vereador da cidade. Nos dois casos, fica evidente que duas pessoas pobres/miseráveis votaram contra o governo.
Então, senhores, não compactuem com esse argumento ridículo e fácil de que quem elegeu a Dilma foi o Bolsa Família. Então excluído esse argumento de que os pobres votaram na Dilma e por isso ela se elegeu, pergunto, o que ocorreu para o Aécio não atrair o eleitorado de Marina? Qual foi a diferença de votos real? O que significa tal número?
Observem, Aécio perdeu por menos de 5 milhões de votos. Considerando que cada voto que fosse retirado de Dilma e fosse para Aécio conta como dois votos (um que sai de Dilma e um que soma em Aécio ao mesmo tempo), a necessidade de votos de Aécio era de que dois milhões e meio de pessoas tivessem optado por ele e não Dilma. E o que pode ser isso?
Vejam, foram 800 mil cisternas que captam água da chuva para famílias do sertão conviverem melhor com a seca. Idéia barata. Quem teve a idéia? O PT. No mínimo nessas casas deve haver duas pessoas com idade para votar. Só aí são 1.600.000 votos. Se houver três pessoas para votar em cada casa sertaneja com cisterna, seriam 2,4 milhões de votos. É ilegítimo que essas pessoas votem no PT? Não. Também o PT tem um programa de financiamento de pós-graduação no exterior que banca 80 mil brasilerios no exterior. Nesse caso estamos falando de ao menos três pessoas votantes em cada família: o financiado, seu pai e mãe. Já são 240 mil votos, no mínimo. E o Pronatec? 8 milhões de inscritos em cursos gratuitos para pobres se qualificarem, encherem nosso mercado de trabalho com pessoas qualificadas e aumentarem suas rendas, o que é bom para eles e para a economia… E o Programa Mais Médicos? Esqueça o formato e pense na ação de governo sobre a vida das pessoas que não tinham médicos. De fato, atende 56 milhões de pessoas com a contratação de 14 mil médicos para o interior… poxa… gente.. é muita coisa.. e foram coisas simples que quem fez foi o PT e não o PSDB. Isso fora o Bolsa Família!!! Nem falei do Bolsa Família!!! Então o PT tem mérito e por isso a população brasileira acabou escolhendo. Mas a oposição, mesmo assim chegou pertíssimo!
Bem isso é só pra mostrar que Aécio perdeu somente por 2,5 milhões de votos. É pouco e mostra que os programas não são cooptadores. E mais, esses números que apresentei acima são interpretados para apresentação da lógica que lhes exponho, claro.. não dá pra dizer que todos os sertanejos com cisterna e benefíciários da bolsa de pós-graduação no exterior tenham votado em Dilma!! É até comum que quem entre em contato com a classe mais educada e conservadora acabe ficando do mesmo jeito por consciência ou por movimento natural para ser aceito em outro ambiente social.
Bom, desmistificado que não foi o Bolsa Família que ganhou a eleição (rsrsrs) é certo que pessoas de classe média, militares, funcionários públicos também votaram em Dilma. Mas grande parte eu sei que não votou porque Dilma foi dura com o funcionalismo e não contratou também.. esvaziando quadros como na CGU e IBGE, por exemplo. Conheço um Oficial de Justiça da Justiça Federal que defendeu Dilma pela política de diminuição de desigualdade social e votou nela, inclusive brigando com seus amigos que votariam em Aécio (Abraço, Leo… pazes, hein? Somos todos amigos!! rsrsrs). Tenho vários amigos na Petrobrás que votaram em Aécio, mas duvido que vários não tenham votado em Dilma.
Então, não há o que a mídia ficou plantando de que beneficiários de Bolsa Família, funcionários públicos e pobres votaram em bloco em Dilma, pelo amor de Deus. Isso é sectário, divisionista e mentiroso.
Agora avaliemos o que ocorreu. Por que Aécio não atraiu todos os votos de Marina?
Observem, o embate na entrevista na Miriam Leitão entre Armínio e Mantega foi ganho por Mantega, como analismos e depois o próprio Financial Times corroborou (vejam as datas do artigo do Blog e do Financial Times que foi posterior). Armínio Fraga disse que a crise financeira acabou em 2009. Isso era mentira. Não enunciou nada mais concreto a fazer que fosse diferente do que Mantega fazia, nem desconstituiu o que Mantega fez, nem os resultados positivos macroeconômicos da política econômica de Mantega (superávit fiscal existente, apesar de em declínio; inflação controlada, apesar de muitas vezes no teto do limite; desemprego baixo; crescimento econômico médio superior ao período do FHC..). Armínio apostava que a mudança de governo por si só deslancharia a taxa de investimento por mais confiança do investidor no governo psdbista. Bem, a expectativa de investimento não deslancha só com mudança de governo.. empresário tem que ver que vai vender pra alguém no Brasil ou no exterior.. sem esse horizonte, Armínio, a mim, não convenceu que sabia como deslanchar a economia objetivamente. Pelo contrário (ver p.s. de 29/10/2014).
A par dessa situação, havia indicações que Armínio perseguiria centro da meta ao custo de empregos e do crescimento econômico. Mesmo tendo sido acusado de dizer que achava alto o salário mínimo e que não sabia qual seria a função dos bancos públicos, não se esforçou para afastar essas acusações na entrevista. Ainda disse que atingiria inflação de 3%. Bem, aí, acabou, né? Se você é do BNDES, BB, CEF e ouve que não sabe qual será a função do seu banco no governo, e que Armínio quer os bancos privados financiando o que eles financiam, você vota no Aécio? Ter os bancos privados ajudando no financiamento da CEF, BB E BNDES seria ótimo e o PT tentou isso mas sem nunca deixar de saber a função do banco público que é estimular a concorrência nos financiamentos em sociedade e garantir financiamento à economia (intrumento de política de governo), inclusive subsidiado pelo governo. E inflação a 3%? Bom, isso indica aumento de juros e recessão e desemprego. Então, complicado..
E a Dilma? Enquanto Armínio se apresentava assim, Dilma falava que “em hipótese nenhuma” admitiria que se mexessem ou diminuíssem direitos de trabalhadores. Afirmava que controle de inflação não deve ser feito ao custo de empregos e do crescimento econômico. E, como sempre fazem, tudo aquilo que a oposição tinha mais fundamento em reclamar, gerou medidas imediatas em tal sentido (à acusação de falta de reforma tributária – tinham feito pacote de isenções de IPI e diminuição de recolhimento de IR sobre folha de pagamentos) ou medidas por vir (apontavam reforma do PIS/Cofins pro próximo governo petista). Defenderam veementemente as funções anticíclicas da atuação dos bancos públicos e de suas vantagens para turbinar a economia, o investimento e o consumo, e apresentaram como resultado a geração de emprego e manutenção de crescimetno, enquanto Europa e EUA experimentaram desemprego e recessão. E ainda apresentaram como reflexo da política de intervenção nos bancos públicos e no mercado financeiro (BB e CEF baixaram juros ao consumidor induzindo concorrência com bancos privados) o resultado da baixa dos juros ao consumidor mais significante de grande período das últimas décadas: queda de 80% ao ano para 40% ao ano. E nesse período, o BB e CEF aumentaram lucros, diminuíram índice de inadimplência e aumentaram market share.. tudo o que bancos privados almejam.. rsrsrs
Bom, assim, sem contar com os programas sociais, ficou difícil. Deu Dilma. Por uma diferença de 2,5 milhões de votos efetivos, mas foi esse o resultado.
E agora?
Bom, senhores, agora é esperar que a estreita margem de diferença obrigue a Dilma a repensar algumas coisas. Que ela acabe com o financiamento de campanha política por empresas. Isso vai quebrar o principal motivo de corrupção eleitoral e caixa dois de partidos e causa de todos os mensalões (PT, PSDB e DEM).. e já foi sinalizado que é inconstitucional por Ministros do STF. E que aprove a lei anti-corrupção que pune donos de empresas em atos de corrupção, mesmo que seus subordinados sejam os agentes diretos dos atos de corrupção. Isso vai estimular os donos a acabar com tal prática, quiçá. Que essa estreita margem de erro obrigue a Dilma a contratar servidores públicos para os cargos vagos e expandir os serviços e prestação de serviços públicos e que respeite a correção inflacionária dos salários dos servidores. Que respeite a autonomia do Judiciário e invista em mobilidade urbana, saúde e educação.
Na área econômica, já fizemos boa (melhor dizendo extensa.. rsrs) análise no artigo anterior, mas resumimos que com Aécio as Bolsas subiriam, mas a busca pelo centro da meta em pouco tempo e, quiçá, 3%, poderia aumentar bastante juros básicos e criar recessão e desemprego. Com o PT o controle da inflação virá mais difícil porque eles tentam não sacrificar geração de emprego. Será possível? Não sei. Talvez em algum momento haja uma queda maior da economia? Talvez em 2015… mas a grande produção de petróleo, os investimentos diretos estrangeiros em torno de 55 a 60 bilhões de dólares, e os investimentos que virão e já estão em andamento com a concessão/privatização de portos, rodovias, aeroportos e ferrovias, além de construção de hidrelétricas, metrôs, arcos rodoviários e refinarias de petróleo, tudo isso tem potencial de imprimir um ritmo econômico interessante e anular parte da apatia da economia internacional e do ritmo mais fraco do mercado interno que ainda apresenta alta dívida das famílias, apesar de que declinante.
O ano de 2015 ainda terá uma pressãozinha inflacionária por conta dos ajustes de preços administrados (gasolina e energia elétrica, p.ex.) e isso pode manter juros básicos altos (poder-se-ia aumentar depósito compulsório e diminuir juros.. mas no Brasil é difícil.. só na China pode…), impedindo uma retomada mais forte do crescimento. A economia internacional fraca também não deverá ajudar muito, mas aquelas medidas acima elencadas podem alavancar investimento e equilibrar um pouco o lado ruim e a própria previsão de crescimento de 2015 já é maior do que a de 2014.
Pelo que vemos, apesar de almejar 3% a 4% de crescimento seja ótimo, a qualidade de crescimento também é interessante. Nosso crescimento está sendo em cima de anos de crescimento econômico durante toda a crise de 2008 que ainda perdura, enquanto na Europa e EUA houve recessão e desemprego. Mas a inflação lá está baixa. Parece que o Brasil ainda escolhe a programa econômico em que o controle de inflação deve se dar com manutenção de empregos.
Vamos acompanhar como essas tensões se desenvolvem durante 2015 e que o novo governo petista consiga arrumar uma fórmula para catapultar a taxa de investimento, mesmo em ambiente com juros altos praticados pelo Bacen (o que entendemos errado diante de outras opções de controle inflacionário já defendidos aqui). A diminuição do superávit primário também não deixa muita munição para crescimento à base de injeções de valores públicos no BNDES e CEF, o que funcionou bem até aqui como arma anticíclica. Vamos ver como fica a equação. Sorte a todos nós.
ps.s: Acesse, em complemento, a análise econômica de outubro de 2014, feita propositadamente três dias antes da eleição, em http://www.perspectivacritica.com.br/2014/10/analise-economica-interna-e-externa-de.html
p.s. de 29/10/2014 – Texto revisado e ampliado. No quarto parágrafo torcamos o termo “psdbista” por “eleitor da oposição” porque, para nós, era óbvio que quem fez o vídeo votou na oposição. Mas isso é uma suposição. E mesmo que tenha votado em Aécio, nõa é possível afirmar que fosse partidário do PSDB.. poderia ser de Marina, ou simplesmente um cidadão revoltado com a manipulação da expectativa da senhora miserável “entrevistada”. Fica assim, a correção. Não esqueçam que Blog tem redação mais coloquial do que jornal.. e por isso a escrita é mais amigável, perdendo a frieza do tecnicismo e distância de jornais profissionais e sérios. É outra proposta de mídia. Mas o conteúdo, pelo menos no nosso caso, fazemos questão que seja até melhor, sempre que possível. E quanto à afirmação de que Armínio não ofereceu saídas para a economia..”pelo contrário”, fui um pouco ácido. Mas o fato é que o que ele ofereceu já ocorre: investimentos através de concessões, licitações de exploração de blocos de petróleo. Ofereceu ainda, como diferencial, investimento em energia alternativa, segurança jurídica (que creio que já existe e a questão da energia não entendo como quebra de contrato), previsibilidade de intervenção estatal na economia e, aí sim ruim porque não explicou como, persecução de inflação de 3%. A mim, senhores, baixar inflação perdendo crescimento e emprego é mole. Até eu faço. O Santo Graal é baixar inflação sem perder emprego e crescimento, na minha humilde opinião. Feita, portanto, a justiça com Armínio. Pra mim ele sugeriu dar um passo pra trás para dar dois pra frente. Tava correto? Bem, o povo brasileiro parece ter optado em simplesmente dar um passo pra frente e ponto. Vamos ver como fica.
p.s. de 28/11/2014 – Texto revisto.