A questão de se tentar mudar a forma de indicação dos Ministros do STF e seus mandatos é relevante. Um grande problema que há hoje é, principalmente, a forma de nomeação dos Ministros, procedida nos termos do artigo 101, parágrafo único da CF/88, ou seja, por indicação do Presidente da República e após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Então observe, apesar de hoje o poder da escolha do Presidente ser irrestrita, somente limitado pelo artigo 101, caput, da CF/88 (cidadão maior de 35 anos, menor de 65 anos e de notável saber jurídico e de reputação ilibada), o Senado tem mérito/culpa na escolha e nomeação de todo e qualquer Ministro que já foi nomeado para o STF. É importante sublinhar isso para que a comum afirmação de que os Ministros são capachos do Presidente que os indicou seja relativizada aqui.
Aliás, neste sistema, a vitaliciedade do cargo é interessante para manter o indicado a salvo de qualquer influência do Presidente que o indicou e dos políticos que o aprovaram, pois, independentemente do que decidam, não correm qualquer risco de perseguição a seus cargos e já têm estabelecido que, a não ser que renuncie, nada o retirará a perspectiva de aposentar-se no STF. Não precisa pensar em dar decisões para prestigiar esta ou aquela empresa ou tese de grande escritório de advocacia, pois não tem previsão de sair do cargo de Ministro e retornar ao mercado de trabalho.
Tudo tem prós e contras. É claro que por ser vitalício, impede-se que haja maior rotatividade nesses cargos e que se agracie mais pessoas com total capacidade de estar entre os onze Ministros da mais alta Corte do País. Mas por que se alterar justo agora? Agora que o STF responde bem às demandas sociais, políticas e jurídicas? Agora que está deflagrada a maior “caça às bruxas e bruxos” do Congresso e do Executivo Federal, a Operação Lava Jato?
A PEC 35/2015 tenta colocar o Tribunal Constitucional brasileiro em mesma situação de Tribunais Europeus, com mandatos temporais entre 9 e 12 anos (a proposta brasileira sugere 10 anos), mas por que ver isso nesse momento crucial de nossa história?
Em especial, a proposta da PEC 35/2015 prevê que os Ministros tenham mandatos de 10 anos e que sejam nomeados da seguinte forma, como comenta o Moreno em seu artigo “PEC estabelece mandato de dez anos e muda forma de escolha dos Ministros do STF”:
“Pelo texto da PEC, o presidente da República vai escolher um nome dentro de uma lista tríplice, elaborada por um colegiado. Esse colegiado será composto por sete membros: os presidentes do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Superior Tribunal Militar (STM) e do Tribunal de Contas da União (TCU); além do procurador-geral da República e do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).”
Veja a íntegra em http://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-moreno/post/pec-estabelece-mandato-de-dez-anos-e-muda-forma-de-escolha-de-ministros-do-stf.html
Eu me pergunto: com o “(en)rolar” dos anos que todos esses processos no Supremo Tribunal Federal experimentam e com a complexidade do caso da Operação Lava Jato, que já tem investigados mais de 50 políticos e aparentemente indicará outros 50, envolvendo talvez um sexto do Congresso brasileiro, seria interessante mexer nessa tema agora?
Se os Ministros do STF tivessem que sair de seus cargos em dez anos, decidiriam da mesma forma do que a de hoje, quando sabem ser vitalícios? E um Ministro nomeado aos 40 anos, por hipótese, com a expectativa de sair Tribunal aos 50 anos, auge de sua força de trabalho, terá o mesmo desprendimento em decidir questões bilionárias, envolvendo multinacionais e grandes escritórios, quando precisará advogar a partir dos 50 anos para se sustentar e à sua família?
Importante notar que enquanto nos Tribunais Constitucionais Europeus não há a competência do Tribunal Constitucional para exercer o controle constitucional difuso, mas somente o concentrado, no Brasil o STF exerce controle difuso e concentrado. Isto é, praticamente toda a ação individual ajuizada em Justiça Comum ou Especializada pode chegar a ser decidia pelo STF. Ações de empresas contra o Fisco, Fisco contra empresas, empresas contra empresas… Na Europa, em regra os Tribunais Constitucionais somente se expressam em relação a ações técnicas sobre constitucionalidade de leis, que é o controle concentrado. É diferente. O jogo sobre o mercado e sobre dinheiro passa de forma muito mais indireta nessas decisões e, portanto, sobre as carreiras e os nomes dos Ministros europeus que exercem esses cargos em uma perspectiva de mercado de trabalho.
Para ter ideia desta diferença entre os Tribunais constitucionais europeus e o brasileiro, é interessante acessar o artigo “Mandato para os Ministros do Supremo Tribunal Federal”, escrito por Antônio Horácio da Silva Neto, Juiz de Direito e Presidente da AMAM – Associação Matogrossense de Magistrados, no sítio eletrônico http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/60/materia/199129/t/mandato-para-os-ministros-do-supremo-tribunal-federal-
Observe as considerações e conclusão a que chega o Emérito Magistrado sobre a intenção da PEC 35/2015, em trechos que selecionamos:
“Esse modelo de mandato (sugerido pela PEC 35/2015) é muito usado nos Tribunais Constitucionais europeus, onde as escolhas dos ministros passam pela participação direta e efetiva dos Poderes Executivo e Legislativo, variando as suas renovações no tempo e na quantidade. Há Tribunais, como o Tribunal Constitucional espanhol, que a renovação de um terço ocorre a cada período de três anos, com mandatos de nove anos para seus juízes. O Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional) alemão prevê mandato de doze anos. O Conseil Constitutionnel (Conselho Constitucional) francês e o Tribunal Constitucional português prevêem mandatos de nove anos.
Ocorre que não se pode criar de uma hora para outra a figura do mandato para os juízes constitucionais no Brasil, tendo em vista o nosso atual modelo de controle da constitucionalidade. Com efeito, adotamos o modelo americano, onde qualquer Tribunal ou juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei. Esse sistema difuso implica a compreensão de que, sendo a Constituição a lei suprema, é insuscetível de modificação pelas legislaturas ordinárias. Um ato legislativo contrário à Constituição será nulo, não vinculando tribunais e não produzindo efeitos.
Já na Europa vige o sistema concentrado, cuja construção surge com a I Grande Guerra, quando as Constituições consagraram que não seria bom ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário ter o poder de decidir sobre a constitucionalidade das leis, o que deveria ser atribuição de um órgão especial, de caráter constitucional e de natureza jurídico-política, aos quais se convencionou chamar genericamente de Cortes Constitucionais.
Assim, para que se pense em instituir mandato aos nossos juízes superiores constitucionais é necessário antes de tudo definir qual a verdadeira feição da Suprema Corte brasileira. Definir se ela é eminentemente constitucional ou se deve continuar a analisar toda e qualquer causa que se inicie perante os órgãos judiciários inferiores com questionamento de constitucionalidade. Se se entender que é eminentemente constitucional, deve ser alterada a constituição para redefinição de sua competência e composição, cabendo aqui discutir a possibilidade de mandato para seus membros. Se não, é fundamental a investidura vitalícia, pois parece ser evidente que o ocupante de um cargo apenas enquanto aprouver a outrem não pode certamente manter uma atitude de independência contra a vontade deste último.”
Observe, portanto, que o tema não é ruim para debate, entretanto, neste momento, o Blog Perspectiva Crítica não entende interessante tal debate que somente cria instabilidade em um momento em que o STF tem se apresentado como praticamente a salvação da democracia brasileira, ao lado das movimentações de ruas, em especial as de junho de 2013 e suas sucessoras.
Por melhores que sejam as intenções da PEC, a qual na forma de nomeação tem todo o apoio do Blog, entendemos não ser o momento adequado para se mexer na estrutura que está passando o sistema político e os políticos brasileiros a limpa, conjuntamente com a Procuradoria da República, Tribunais de Contas e Polícia Federal.
Rediscutir o STF sim, após o fim dos processos e julgamentos da Operação Lava Jato. Demorará, sim, mas é o melhor.