No último dia 05 de agosto de 2017, o Mercosul suspendeu os direitos políticos da Venezuela no bloco pela segunda vez. A primeira vez foi em dezembro de 2016, em virtude de descumprimento de obrigações comerciais com o bloco e agora por conta do desrespeito à cláusula democrática.
Veja o artigo selecionado sobre o tema: http://istoe.com.br/venezuela-e-suspensa-do-mercosul-por-ruptura-da-ordem-democratica/
Em meio a este fato, o político de esquerda Randolfe, do partido Rede, criticou o regime de Maduro, em especial pelas confirmações de atrocidades humanitárias cometidas pelo governo de Nicolás Maduro na Venezuela efetuadas pela Procuradora Geral da República da Venezuela, Luísa Ortega Díaz, como prisão irrestrita de opositores, situações desumanas dos milhares de presos em suas celas, etc. Ela se encontra asilada na Colômbia.
Veja o artigo selecionado: https://oglobo.globo.com/mundo/randolfe-critica-parte-da-esquerda-brasileira-que-apoia-maduro-21742119
A Venezuela é um grande país. Era extremamente importante trazê-lo para gravitar em torno do Mercosul. Mas a cláusula democrática do bloco deve ser respeitada. Não deve haver muita parcimônia com sua aplicação. A democracia é princípio básico para integrar o bloco e, à falta de instrumento melhor civilizatório, encerra outros princípios básicos que garantem a liberdade dos cidadãos e a condução de sociedades e Estados consoante a vontade popular, por mais que ela se deturpe no curso na representação dos eleitores pelos políticos eleitos.
Um conhecido do Blogger, que trabalhou na Venezuela, representando uma grande empresa brasileira na área industrial, contou sobre o que passou na Venezuela para efetuar seu trabalho. Passamos esses dados aqui para que seja verificado a que nível chegou a Venezuela sob o Governo de Maduro.
Ele se instalou em um hotel de alto nível em Caracas. Por sugestão profissional sobre condução de negócios na Venezuela, a empresa contratou seguranças particulares locais. Se ele saísse sozinho nas ruas, corria o risco altamente provável de ser sequestrado.
No hotel, a luz ia e voltava, portanto era mais seguro o uso de escadas. E depois de chegar do trabalho para relaxar, nada passava na televisão, além do canal estatal. O papel higiênico que encontrou quando entrou, logo após realizar o “check in”, já tinha sido usado e não era garantida a troca ao seu fim.
A água mineral potável era escassa e não era garantida sua reposição a cada dia. Eventualmente ouviam-se barulhos de confusões ou tiros fora do hotel, o que impactava mais ainda na sensação de insegurança local. O ar condicionado não funcionava e o calor era terrível, então para terminar o dia, esse executivo conhecido foi tomar banho. Só tinha água fria. Mas pensaram que isso era o pior? Não. Ao se ensaboar, a água parou no meio do banho. Ele reclamou com a recepção. A recepcionista disse que estavam sem água. Ele ficou ensaboado para dormir.
A situação na Venezuela é emblemática. A que ponto de falência do Estado e das instituições o esquecimento pelas classes mais abastadas do contingente mais pobre pode levar um país? E a que ponto de degradação institucional, econômico e social pode ser levado um país, quando um partido se constitui em uma maioria esmagadora parlamentar eleita e seus dirigentes acreditam que seja o que fizerem é bom para o país independentemente da sustentabilidade financeiro-orçamentária de tais medidas.
O que acontece na Venezuela é uma ditadura de esquerda, mas podia ser de direita. Ditadura é ditadura. Alguns dizem que as de direita são piores do que as de esquerda e como exemplo citam o fascismo italiano e o nazismo alemão que capitanearam seus respectivos países à deflagração da segunda guerra mundial com o resultado de mais de 66 a 85 milhões de mortos (veja https://pt.wikipedia.org/wiki/Mortos_na_Segunda_Guerra_Mundial).
Randolfe está correto. Nenhuma tinta filosófica ou partidária justifica a continuidade de prisões de juízes, políticos, cidadãos comuns, só porque condenaram o Estado em uma ação judicial ou porque tal pessoa é opositora ao regime ou falou mal do partido ou de Maduro. Isso não é um governo de esquerda. Isso é uma ditadura. E Nicolas Maduro criou uma ditadura.
Um movimento que começou como uma resposta democrática do povo venezuelano ao descaso estatal e social com suas necessidades, com a eleição de Chavez, termina, por irresponsabilidade administrativa, por fanatismo ideológico, no caso de esquerda, e por eleição de praticamente todo o parlamento de um único partido, ainda lá atrás, na época da eleição de Chavez, termina com vários atos de governo populistas, muitíssimos deles com gastos e custos sem o correspondente indicativo de receita orçamentária que o banque.
O furo orçamentário e a necessidade de manutenção de suas justificativas de manutenção de poder geram a necessidade de o governo ser mais populista. E para bancar isso a classe produtiva sofreu até o ponto de shopping centers serem estatizados. O governo desestimulou ambiente de investimento, tabelou preços, frustrou investimentos. Sem investimentos, caiu a arrecadação e a tomada de propriedades existentes para gerar renda para bancar o governo e seus planos populistas geraram mais destruição social, econômica e de governo.
E ao fim, onde estamos, nada sobra de prestação de serviços públicos que não o arremedo de planos populistas, assistencialismo governamental para manter o apoio do povo que nada tinha, desemprego, desabastecimento, desordem social. E para manter-se no poder, alteração de Constituição, prender opositores, pagar polícia e militares e só. Ainda há o petróleo, claro, mas a economia acabou e, assim, a ordem social e política.
A situação da Venezuela é emblemática para que vejamos que nossa classe econômica abastada não pode esquecer da classe mais pobre, sob pena de apartá-la de seus valores.
A situação da Venezuela é emblemática para se ver que democracia só existe com pluralidade de partidos.
A situação da Venezuela é emblemática para se aprender que ser de esquerda não é levar princípios de distribuição de renda ao ponto de destroçar o orçamento e a economia.
A situação da Venezuela é emblemática para aprender que mesmo rico, sem respeito orçamentário-financeiro-fiscal, a degradação econômica de um país pode chegar ao caos social e ao fim da democracia. Pois, como se diz, não existe vácuo de poder.
E o Mercosul? Está correto suspender a Venezuela do Mercosul e debater sua situação. Somente expondo a situação real da Venezuela podemos contribuir para que a normalidade seja reconquistada lá e que reine o retorno da paz social e ordem econômica. Estar no Mercosul traz para a Venezuela a vantagem de ter amigos que lhe apontem que erros estão sendo cometidos e devem parar.
Essa é a maior função da suspensão da Venezuela do Mercosul. Mas é claro que daí a admitir incursões militares para “salvar” aquele povo, como parece querer Trump, vai muita distância. Se princípios de igualdade não autorizam, a nosso ver, arranhões na democracia, princípios de defesa da liberdade de outro povo não autorizam a invasão militar de seu país, pois isso viola o princípio de autodeterminação dos povos.
Randolfe, excelente político de esquerda, tem nossa total simpatia e companhia em sua denúncia contra a ditadura que se instalou na Venezuela, assim como as tem a decisão do Mercosul de suspender os direitos políticos da Venezuela no bloco, em virtude do desrespeito à cláusula democrática.
E que o melhor ocorra a nossos vizinhos. Esperamos que encontrem o caminho da concórdia, paz e desenvolvimento.
P.s. de 28/08/2017 – Texto revisto.