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O sueco é civilizado e o brasileiro não é? Por quê? Isto é correto? Análise de uma história de whatsapp

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Qual o motivo para os suecos serem tão cordatos e respeitadores das suas leis e regras sociais? Alguns acham que é puramente o fato de serem um “povo melhor”. Mas essa conclusão é subjetiva, indeterminada e até racista.. rsrsrs. Baseada sempre na percepção imediata dos fatos como se apresentam, sem análise sobra as causas que levaram à situação de, hoje, os suecos e nórdicos em geral terem um comportamento altamente civilizado.

Este é o tema de uma conversa curta por whatsapp que tive com amigos, introduzida pelo meu amigo Renardo. Compartilho com vocês o texto deflagrador do questionamento sobre o comportamento dos suecos e a comparação com nosso comportamento médio brasileiro. O texto vem assinado por Décio Tadeu Orlandi, que se intitula bacharel em Letras pela USP e mestre em Literatura pela UFG, segundo a assinatura ao fim do texto. Assim manteremos.

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Texto Original

“Há alguns anos, entrei numa estação de metrô em Estocolmo, a tão civilizada capital da tão primeiro-mundista Suécia, e notei que havia entre muitas catracas comuns uma de passagem livre. Questionei a vendedora de bilhetes o porquê daquela catraca permanentemente liberada, sem nenhum segurança por perto, e ela me explicou que era destinada às pessoas que por qualquer motivo não tivessem dinheiro para a passagem. Minha mente incrédula e cheia de jeitinhos brasileiros não conteve a pergunta óbvia (para nós!): e se a pessoa tiver dinheiro mas simplesmente quiser burlar a lei?

Aqueles olhos suecos e azuis se espremeram num sorriso de pureza constrangedora – Mas por que ela faria isso?, me perguntou. Não lhe respondi. Comprei o bilhete, passei pela catraca e atrás de mim uma multidão que também havia pago por seus bilhetes. A catraca livre continuava vazia, tão vazia quanto minha alma brasileira – e envergonhada.

(Décio Tadeu Orlandi – bacharel em Letras pela USP e mestre em Literatura pela UFG).

Quem faz um país é o povo!!!!!!”

A frase “Quem faz o país é o povo!!!” pode ter sido escrita pelo próprio Décio ou por quem repassou o texto de Décio, já que está após a assinatura. Não importa, é a moral da história. E entendemos até que é um incentivador de chamamento geral à consciência coletiva. Ótimo. Até concordamos. Mas aí vai minha ponderação.

Resposta do Editor:

“Renardo, boa história, mas a resposta não é que o povo sueco é maravilhoso pura e simplesmente descido do céu. .. apesar de a beleza natural daquele povo realmente dar essa flagrante idéia. ..rs rs… mas é que o Estado fornece tão bem seus serviços públicos que a ideia de cidadania e coletividade fica firmemente gravada na mente, coração e espírito dos suecos. E a repetição cotidiana do respeito que o Estado tem pelo cidadão alimenta o respeito que o cidadão tem pela coletividade numa espiral sócio-cultural-institucional que a linda policial sueca nem mesmo consegue imaginar o porquê de alguém violar uma regra social e ética como a de somente passar pela roleta gratuita se não tiver dinheiro.

Portanto, pra aproximarmo-nos dos suecos faltam investimento em educação e em serviços públicos em quantidade e qualidade, com servidores em quantidade e qualidade, pagos consoante a complexidade das atribuições que exercem. E tenho dito.”

É incrível como simples conversas e simples histórias podem facilitar a compreensão do que páginas e páginas de filosofia não conseguem deixar claro. É isso. Talvez esta história compartilhada tenha sido mais útil para demonstrar porque a Suécia está dentre os primeiros lugares em IDH no mundo e nós não e o que devemos fazer para chegar lá: investimento em educação e no serviço público eficiente, para que os cidadãos, obtendo respeito de seu Estado (e não falta de Estado como querem alguns), possam alimentar carinho, consideração, amor e respeito por suas instituições e pelo bem coletivo e suas regras de conduta.

E isso é na Suécia, em que a desigualdade social é menor do que na França. Na França, eu vi pessoas aparentemente pobres, negras e com certeza de origem africana, pulando roletas do metrô em Paris, às 20h. Eu, brasileiro, constrangido, percebendo que não havia guardas, pensei em fazer o mesmo, mas não consegui e, juntamente com meu irmão, passamos pela roleta.

Então, senhores, por que um pobre, negro, talvez francês, com certeza de ascendência africana quis pular a roleta em Paris e eu e meu irmão, brasileiros, não? Será que todo sueco loiro de olhos azuis é civilizado por natureza e negros africanos não podem ser? E eu e meu irmão somos exceções dentre brasileiros? Não, a todas as perguntas.

Os suecos têm menos desigualdade social, têm salário mínimo alto, têm muito mais servidores públicos por habitante do que o Brasil (ver p.s. abaixo), todos bem pagos e que prestam bons serviços públicos a seus cidadãos e estes, crescendo em uma sociedade dessas (atualmente até creio ser a número um em IDH no mundo), adquirem respeito pela coletividade por sua sociedade e por suas regras sociais, legais e de costumes. E por isso dão um espetáculo em comportamento civilizado.

O grupo de negros vindos da África Francesa é estigmatizada na França. Teve até um caso em que, revoltados por se sentirem excluídos socialmente, queimaram 200 carros em Paris. Como não se sentem retribuídos ou incluídos na sociedade francesa, não se sentem obrigados a respeitar suas regras. Compreensível. A solução lá na França, para o comportamento daquele cidadão que pulou roleta sem pagar, é perseguir e concretizar menos desigualdade social e mais oportunidades para negros vindos da África Francesa para que sejam realmente incluídos socialmente e respeitem as regras sociais.

E no Brasil? Sou exceção? Não. Eu fiz o que qualquer brasileiro educado faria. Mas eu tenho dinheiro para pagar a passagem, estava cursando a faculdade de direito, à época, tenho família que me educou e me acolheu e não sofri agruras do Estado francês. Também não tenho grandes mágoas do Estado brasileiro porque, filho de classe média, nunca precisei muito dos serviços do Estado. Meu comportamento, portanto, e o de qualquer brasileiro em minha condição, será sempre semelhante ao do “sueco”, apesar de eu poder responder a pergunta que Décio fez à policial sueca e ela não poder entender o motivo de alguém desrespeitar uma regra social simples como usar a roleta gratuita, mesmo tendo dinheiro para tanto.

O brasileiro é bom. O brasileiro é honesto. Senão, este país estaria imerso no caos social. Mas o tema me suscita a lembrança de um antigo provérbio árabe escrito por Mansour Chalita no seu maravilhoso livro “As mais belas páginas da literatura árabe” que é assim: “quando o governante se afasta da justiça, os governados se afastam da obediência”. Preciso dizer mais alguma coisa?

Sabemos o que fazer. Façamos.

P.S.: Sobre a afirmação de que a Suécia tem mais servidores públicos do que o Brasil, já escrevemos artigo sobre o tema. Em 2011, a Suécia tinha 26% de sua força de trabalho no serviço público. o Brasil tinha 11%, segundo estudo da OCDE. Acesse o artigo e os dados da OCDE em http://www.perspectivacritica.com.br/2014/08/ocde-comprova-paises-de-maior-idh-e.html

p.s. de 28/01/2016 – texto revisto e ampliado.

p.s. de 29/01/2016 – Deixo claro o propósito do artigo: não é a cor da pele ou a naturalidade da pessoa que indica seu grau de civilidade. Apesar de o texto original dar a entender que o brasileiro “usaria a roleta gratuita, mesmo sabendo que se destinava somente a pessoas que por eventualidade não tivessem dinheiro”, pergunto: Jô Soares passaria na roleta? Miriam Leitão? Merval Pereira? Fernando Henrique? Professores? Estudantes universitários? Eu? Você? Não. Portanto, não é o sueco que não passa, mas pessoas educadas não passam. Essa é a verdadeira diferença. Educadas e que não tenham necessidades financeiras. Aqui, no Brasil, há desrespeito, sim. Por falta de educação e por falta de respeito do Estado em relação ao brasileiro. É nossa opinião.

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